Correio Braziliense | Política: Ações contra o combate à corrupção

Na contramão das 10 medidas apresentadas ao Congresso para acabar com a impunidade, há outras propostas em gestação na Câmara e no Senado que dificultam as investigações em andamento. Ministério Público critica as mudanças

NATÁLIA LAMBERT

O desconforto entre os Poderes da República deflagrado no início desta semana fez com que líderes no Congresso Nacional se mexessem novamente para emplacar ideias que, na visão do Ministério Público Federal (MPF), podem prejudicar investigações em andamento, entre elas a Operação Lava-Jato. As propostas variam desde limitar delações premiadas a dar foro privilegiado para ex-presidentes. A tensão, principalmente entre o Senado e o Supremo Tribunal Federal gerada após declarações de Renan Calheiros (PMDB-AL) e da ministra Cármen Lúcia, estimulou ontem mais uma das medidas consideradas empecilho no combate à corrupção: a determinação da imunidade de sede.

Após chamar de “juizeco” o magistrado que autorizou a prisão de quatro policiais legislativos e buscas e apreensões de documentos no Senado na semana passada, Renan entrou ontem com uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) no Supremo relativa à ação da Polícia Federal. Entre as reivindicações, está a declaração de que “uma eventual decisão judicial ou diligência policial a ser cumprida no Congresso Nacional(imunidade de sede) somente seja executada depois de ratificada por ministro do Supremo Tribunal Federal, mediante incidente próprio a ser processado na forma do Regimento Interno do STF, e feita a comunicação à Polícia do Senado Federal, com transferência do sigilo, se for o caso.”

Em plenário, Renan afirmou que a ideia é que sejam estabelecidos os limites e competências de cada um dos Poderes. “A imunidade de sede não é uma invenção brasileira. É a própria democracia e, por razões óbvias, está inserida entre as garantias constitucionais dirigidas ao Parlamento. O Congresso Nacional vem sendo vítima de práticas que deveriam ter sido sepultadas há muito tempo. Nada é mais danoso à democracia do que a hipocrisia e a violência institucional. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da lei, nem os legisladores nem os seus aplicadores.”

Para o procurador do MPF Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa da Lava-Jato, não há problema em um juiz de primeira instância autorizar a entrada da Polícia Federal no Senado. “Não existem lugares imunes às buscas e apreensões no Brasil. Não existe nenhum santuário”, disse o procurador à Agência Estado, durante evento em São Paulo. Santos Lima esclarece que o que existe são competências para investigar pessoas. “O que distingue a competência do juiz de primeiro grau é a pessoa investigada, e não o local.”

Abuso

Além da questão levantada ontem por Renan Calheiros, voltou à pauta do Senado a proposta que muda e torna mais rígida a lei de crimes de abuso de autoridade. A legislação é de 1965 e o projeto de autoria de Renan, feito em 2009, estava engavetado até recentemente. O presidente do Senado quer apressar a tramitação e recebeu duras críticas de senadores da base e da oposição em plenário. A subprocuradora-geral e coordenadora da Câmara Criminal do MPF, Luiza Frischeisen, vê a proposta com muita preocupação. “É evidente que qualquer autoridade pode cometer abusos e existem órgãos competentes de controle para garantir que eles sejam punidos caso isso aconteça. Da forma como o projeto está colocado, ele criminaliza o próprio agir do Ministério Público e da magistratura. Pune o exercício da investigação.”

Presidente da comissão que analisa medidas contra a corrupção na Câmara, o deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA) não compreende a pressa de Renan para aprovar as alterações na lei. “Não é porque ele quer, que o Congresso vai abaixar a cabeça para isso. Temos que estar antenados com a realidade das ruas e isso não é prioridade. O combate à corrupção é. Esse é o tipo de crime que a gente fecha a torneira e o cara abre um buraco. Não podemos deixar brechas.” Passarinho ressalta que não é contra o debate, mas é preciso que cada matéria caminhe a seu tempo natural.

O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima destacou também a movimentação na Câmara para que seja aprovada a nova Lei de Leniência. “E não houve discussão a respeito dela. Será que não querem brecar grandes leniências que estão prestes a acontecer no Brasil e que vão entregar, possivelmente, muitos fatos envolvendo o status quo político?”, questionou o procurador. Para ele, não é o momento de se aprovarem leis sem uma ampla discussão para que o povo entenda os objetivos disso. “Eu espero que projetos como esse não passem pela aprovação do Congresso. A única forma de impedir o poder político de agir assim é fazê-lo ter receio de ser responsabilizado politicamente pela população”, acrescentou Santos Lima.

Colaborou Eduardo Militão

Outras medidas

Além da ação aberta no Supremo, Renan Calheiros orientou que a Advocacia doSenado entre com uma representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz Vallisney de Souza Oliveira, que autorizou a ação da Polícia Federal na Casa, e recomendou que os diretores da Polícia Legislativa ingressem no STF com pedido de habeas corpus preventivo.

“É uma precaução para que novas prisões arbitrárias não aconteçam.”

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