Junji Abe*
Tanto quanto ou até maior que a própria criminalidade é a sensação de falta de segurança. E isso não se limita às ruas. Também está dentro de casa. Com impunidade resguardada pelo silêncio das vítimas, os agressores transformam o lar em arena de barbáries. Na maioria dos casos, os atos violentos – físicos e emocionais – irrompem após o abuso de álcool, o consumo de drogas ou até mais um frustrante dia à procura de emprego. Esses fatos dolorosos reforçam minha convicção de que a prevenção da violência começa com o fortalecimento da família, que é o microcosmo da sociedade.
Cada vez mais, ouvimos o clamor por medidas imediatas de repressão. Cobram-se mais policiais, mais armamento, mais penitenciárias e até mudanças na legislação para punir os menores infratores com o rigor da maioridade. Em que pese a necessidade de atos repressivos contra as drogas, o crime organizado e a violência em geral, os sucessivos e pesados aportes financeiros para adoção destas ações não livrarão a sociedade do aumento da criminalidade. Nem já. E muito menos no futuro.
Precisamos parar de correr atrás das consequências e tratar imediatamente das causas, se quisermos deixar um legado digno para as gerações futuras. Todos falam sobre isso. Na maioria das vezes, tudo fica só no discurso. Para começar a mudar o estado de coisas, proponho uma atividade simples, barata e acessível, pinçando o exemplo que vem dos japoneses.
Falo dos undokais, gincanas poliesportivas de origem nipônica que foram introduzidas no Brasil pelos imigrantes japoneses. Surgiram no país do sol nascente como forma de comemorar o aniversário do imperador e perduram até os dias de hoje, realizadas anualmente na primavera. Aqui, ocorrem no outono, sob a organização de entidades da comunidade nipo-brasileira, graças ao trabalho de seus voluntários.
É um domingo inteiro de atividades culturais, educacionais, esportivas e de lazer para gente de todas as idades, que têm o condão de promover a valorização da família, o bom relacionamento familiar e a integração social. As pessoas chegam logo às 8 da manhã e ficam até o final da tarde, participando das mais diferentes competições adequadas às diferentes faixas etárias. Os vencedores são premiados com prendas arrecadadas na própria comunidade.
Desse clima de sinergia e recreação, participam desde o bebê caçula de meses de idade até o bisavô quase centenário. São três e até quatro gerações unidas em torno das atividades do undokai. Assim, se vê o avô, com seu andador, feliz da vida em companhia do netinho, enquanto a mamãe disputa e vence uma prova feminina de colocação de linha na agulha. A campeã sai, orgulhosa, ostentando o prêmio: um pacotinho de sabão em pó. Logo em seguida, é a vez de a filha adolescente faturar uma lapiseira na competição de cálculo matemático. E assim vai, o dia inteiro…
Comida? Sim, tem a hora do piquenique. Cada família leva seu lanche – bentô, em japonês – e se abriga à sombra para compartilhar da refeição: um momento mágico de bate-papo e descontração, raro nos tempos modernos de correria e muito trabalho. Com simplicidade, o undokai fornece a bússola para a sociedade equilibrada que tanto buscamos, a partir da união familiar.
Do histórico de grandes contribuições dadas ao nosso país pelos imigrantes japoneses, a realização dos undokais bem pode ser um exemplo primoroso na prevenção da violência. O undokai traduz o que existe de mais democrático em recreação, porque oferece atividades para pessoas de todas as idades, num ambiente saudável, onde as famílias têm a oportunidade de conviver mais e melhor, além de interagir com os vizinhos, com aqueles a quem só conhecia de vista. Minha admiração pelo gênero de gincana poliesportiva inspirou o aclamado projeto “A Rua Feliz” – lazer e recreação para milhares de crianças em todos os bairros, implantado quando fui prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008).
Envolvida com a rotina de práticas esportivas e recreação, a sociedade fortalece a família, exercita a cidadania, afasta a ociosidade e ganha com a integração de todos os segmentos sociais. Corpo em dia e mente sã em nome de bens maiores, como menos violência e mais qualidade de vida. Há gente comum participando das provas, ajudando a organizar a gincana, angariando prendas, cumprindo seu papel na sociedade. E isto faz toda a diferença.
* Junji Abe é deputado federal pelo PSD-SP