O Globo | País: ‘Pecado original’

A BATALHA DO IMPEACHMENT

Cardozo diz que processo é ilegal porque Cunha o abriu por ‘vingança e ameaça ir ao STF

Eduardo Bresciani

-Brasília- O advogado-geral da União, ministro José Eduardo Cardozo, fez uma defesa política da presidente Dilma Rousseff usando argumentos jurídicos que poderíam caracterizar o impeachment como “golpe” e afirmando que o processo tem um “pecado original” por ter sido aceito pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em um ato de vingança após o PT ter lhe negado apoio. Em seu pronunciamento e na defesa escrita apresentada à comissão especial, Cardozo pediu a nulidade do processo e, depois, em entrevista, disse que o governo pode ir ao Supremo Tribunal Federal se a Câmara ignorar as ilegalidades que apontou.

O presidente da comissão, Rogério Rosso (PSD-DF), rebateu Cardozo ao final afirmando que todo o trabalho da comissão segue o rito estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Para o advogado da União, um eventual governo Michel Temer não teria “legitimidade” e não conseguiria cumprir a “missão que o Estado lhe reserva’! Cardozo ressaltou que o processo deve ficar restrito às pedaladas fiscais e decretos de crédito suplementar do ano de 2015 e defendeu que nestes casos não se demonstra nem a prática de crime de responsabilidade, muito menos a autoria de ato doloso pela presidente.

– Está em jogo a democracia no Brasil. Está em jogo o estado de direito. Está em jogo o respeito democrático de uma presidente legitimamente eleita. Quem dela não gosta terá o momento

nas urnas para manifestar sua opinião, mas não é através de rupturas institucionais que se manifesta essa opinião – disse Cardozo, acrescentando que um processo de impeachment sem ato ilícito atribuível à presidente da República equivalería a rasgar a Constituição.

Ao frisar que o processo de impeachment não é meramente político, mas também jurídico, Cardozo afirmou que sem os pressupostos constitucionais que o definem ele seria um golpe:

– O que é golpe? É a ruptura da institucionalidade, o rompimento da Constituição, a negação do estado de direito. Não importa se é feito por armas, canhões ou baionetas caladas ou se é feito com um simples rasgar da Constituição. Sem base fática, ele é golpe.

Ná exposição aos deputados, o principal ponto defendido foi a retaliação de Eduardo Cunha ao aceitar o pedido no mesmo dia em que os deputados do PT no Conselho de Ética anunciaram voto contra ele. O ministro afirmou que o ato de Cunha é nulo por se tratar da figura jurídica de “desvio de poder” quando uma decisão é tomada sem a análise dos critérios que deveriam embasá-la. Cardozo afirmou que Dilma se recusou a fazer a barganha para não perder a legitimidade e sustentou que o ato de Cunha traz um “pecado original ao processo”.

– Sua excelência, o presidente da Câmara, usou da sua competência para fazer vingança e retaliação à chefe do executivo porque esta se recusara a garantir no Conselho de Ética, ao qual ele estava submetido, os votos que seu partido poderia lhe dar para que ele pudesse não ser processado naquele momento – disse o ministro.

Após apresentar a defesa, o ministro voltou a criticar em entrevista as “ilegalidades” e “vícios” do processo de impeachment. Cardozo afirmou que o processo tem “um pecado original do qual jamais se libertará” referindo-se ao desvio de poder que teria sido cometido por Cunha. Mostrando-se otimista, o ministro disse confiar que a comissão de impeachment rejeitará a abertura de processo contra Dilma, mas que, caso isso não ocorra, ele poderá recorrer à Justiça. Ele lembrou que há um mandado de segurança, apresentado pelo deputado Wadih Damous (PT-RJ) ao STF, que ainda não foi julgado.

Sobre as pedaladas fiscais, negou que tenha havido operações de crédito com bancos públicos, prática vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

– Se um dos senhores tiver um empregado e atrasarem pagamento, significa que o empregado está emprestando? Pode ser inadimplente, pode não ter honrado compromisso, mas empréstimo não há – afirmou o ministro.

Cardozo sustentou ainda na defesa feita na comissão que a juntada da delação do senador Delcídio Amaral gera outra nulidade, mesmo tendo sido retirada. Disse que a reunião na semana passada na qual foram ouvidos os autores do pedido, os juristas Miguel Reale Jr e Janaina Paschoal, é nula porque não houve citação à defesa. Sustentou que o fato de a comissão ter buscado ouvi-los para esclarecer a acusação é sinal de que a denúncia é “inepta’!

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rebateu as declarações de Cardozo, acusando-o de mentir.

– O ministro José Eduardo Cardozo está, além de tudo, faltando com a verdade, e exercendo de forma indigna a defesa dele. Em primeiro lugar ele ataca o poder meu de ter feito o aceite. Isso já foi julgado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, que validou a iniciativa e aceitação que foi feita do pedido de impeachment – afirmou Cunha.

Para a oposição, Cardozo, irá “passar vergonha” e manchar sua carreira de jurista se cumprir a ameaça de bater as portas do Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar uma possível deliberação do Congresso sobre o afastamento da presidente Dilma Rousseff.

Já o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), festejou a assertividade da defesa:

– A defesa do ministro foi demolidora. Desconstitui a ideia do impeachment, que nada mais é que um golpe. Não há fundamento, não há base jurídica e muito menos fato determinado.

Para Cardozo, impeachment que contraria Constituição gera governo sem legitimidade e sem condições de governabilidade

Impeachment é golpe? Pode ser ou não. É fato que está na Constituição. Se pressupostos forem atendidos não será golpe, mas se não tiver crime, se não tiver ato doloso, é golpe sim

O presidente da Câmara, usou da sua competência para fazer vingança e retaliação à chefe do Executivo porque ela se recusara a oferecer no Conselho de Ética, em processo a que ele estava submetido, os votos do seu partido

Se eu puno que as pessoas bebam água, quem bebeu água ontem deve ser penalizado? A partir do momento que o TCU mudou sua posição, o governo não editou mais decretos. É correto que haja punição? Não. Seria uma violência constitucional

Se um dos senhores tiver um empregado e atrasarem pagamento, significa que o empregado está emprestando?

Pode ser inadimplente, mas empréstimo não há José Eduardo Cardozo

Advogado-geral da União

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