BRASÍLIA – O relator do processo de cassação do mandato do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), instaurado ontem no Conselho de Ética será definido hoje entre três nomes de partidos da base, em que não há adversários convictos do peemedebista. O favorito entre os nomes sorteados ontem é um deputado de primeiro mandato, Fausto Pinato (PRB-SP), que tem boa relação com aliados de Cunha. Os outros dois são Vinícius Gurgel (PR-AP), um aliado muito próximo do presidente da Câmara, e Zé Geraldo (PT-PA), cujo partido quer evitar a todo custo confrontos com o peemedebista devido ao temor em relação ao impeachment e à paralisação de votações na Câmara. Apesar das circunstâncias, todos sinalizaram que a representação contra Cunha não deve ser arquivada no parecer preliminar.
Fausto Pinato é apontado como o que teria maiores condições de manter a imparcialidade na análise do processo contra o presidente da Câmara. É ainda visto como “tecnicamente” mais preparado, por ser advogado, membro da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e vice-líder do bloco encabeçado pelo PRB. Ele diz ser contra o arquivamento do processo na fase preliminar, como deseja a defesa de Cunha.
– Não estou com opinião 100% formada, mas, diante dos fatos, sou a favor da admissibilidade do processo. Acho que meu nome está sendo colocado porque o PRB é bem imparcial. Tenho amizade com os dois lados – disse ao GLOBO, destacando que, apesar de o PRB ter fechado formalmente apoio à eleição de Cunha para a presidência da Câmara, parte da legenda rachou e deu votos a Arlindo Chinaglia (PT-SP).
Em entrevista coletiva, disse não temer a tarefa:
– Eu nasci com cordão umbilical no pescoço e nasci roxo. Fiquei 90 dias na UTI lutando pela vida. Sou homem que não temo, porque sempre caminho no caminho da verdade e da transparência.
Deputados que conversaram ontem com o presidente do conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA), dizem que ele destacou o fato de Pinato pertencer ao mesmo partido e ao mesmo estado de Celso Russomanno (PRB-SP), pré-candidato à prefeitura de São Paulo.
– Ele é do partido e do estado do Russomanno, que lidera sozinho a disputa pela prefeitura de São Paulo. Ele não vai se expor protegendo ninguém. Vai ter postura imparcial – apostou um dos deputados que participa das conversas pela escolha.
DEPUTADO DO PR FEZ CAMPANHA PARA CUNHA
As outras opções são consideradas mais polêmicas. Vinícius Gurgel (PR-AP) é um aliado de Cunha e, para alguns, sua atuação estaria sob suspeita no conselho. Vinícius fez campanha para a eleição de Cunha à presidência da Câmara no início do ano e coordenou a eleição do peemedebista junto à bancada do Amapá. Ao GLOBO, afirmou que, antes de decidir sobre a admissibilidade do processo, caso seja escolhido o relator, quer ter acesso à íntegra dos documentos que basearam a denúncia contra Cunha.
– Tem que procurar quem o acusou, a PGR, para ter acesso à íntegra dos documentos. Não dá para fazer nada da minha cabeça, tem que ter fundamentação para acusar ou deixar de acusar, até porque, até agora, só o que temos são recortes de jornais. Se os fatos forem verdadeiros, aí tem que seguir em frente com o processo. Mas, pelo que se apresentou até agora, acredito que não tem condições de ser arquivado de início – afirmou Vinícius, dizendo também não se submeter a pressões: – Quem pega pressão é panela. Fácil não é, com certeza, mas quem está na Câmara tem que ter passado pelas umas, eleito, reeleito e tem que vir preparado.
Já Zé Geraldo, apesar de não ter assinado o requerimento contra Cunha para abrir o processo no Conselho de Ética, declarou há duas semanas achar a situação do peemedebista “insustentável politicamente” Há um temor de que sua escolha possa contaminar politicamente os trâmites no colegiado por conta da tensa relação entre o governo e Cunha. Há pressão por parte da cúpula petista para que a bancada do partido não entre em confronto direto com Cunha para não atrapalhar a votação de matérias econômicas para o governo e para evitar o risco de impeachment. Até mesmo o ex-presidente Lula entrou em campo para pedir que o PT priorize a aprovação do ajuste fiscal em vez de derrubar Cunha.
Depois do sorteio, Zé Geraldo disse ver “indícios fortes” contra Cunha, mas demonstrou pouca vontade em assumir a função:
– Se o relator não for do PT, a visibilidade e as pressões serão menores. E, pressão, o PT já tem demais.
Mais tarde, completou:
– Em determinados momentos, você precisa agir como membro de uma comissão de ética. E, se for sorteado, agirei assim, sendo um relator de um processo que eu sei que talvez seja o maior processo da história desse poder.
Em entrevista na tarde de ontem, Cunha disse não ter preferência por algum dos nomes sorteados e que ainda não definiu se irá ao conselho falar sobre o caso, como fez na CPI da Petrobras, onde declarou não ter contas além das declaradas em seu imposto de renda.
– Vou provar que não faltei com a verdade. Está se questionando uma suposta quebra de decoro em que eu teria faltado com a verdade, o que não ocorreu – disse.
O conselho instaurou ainda dois outros processos contra Alberto Fraga (DEM-DF) e Roberto Freire (PPS-PE), que foram apresentados em maio, mas retidos pela Mesa. A líder do PCdoB, Jandira Feghali (RJ), cujo partido é autor das duas representações, disse que o envio só agora “é uma tentativa de fazer confusão em relação ao julgamento principal, que é o do presidente da Câmara”
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O perfil dos 21 titulares do Conselho de Ética
OS PRÓXIMOS PASSOS
RELATOR: O presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PSD-BA), indica um nome entre os três sorteados
PARECER PRELIMINAR: Será apresentado ao conselho pelo relator parecer pela admissibilidade ou não da representação
VOTAÇÃO DO PARECER: Conselho decide se representação é mantida ou arquivada. Nesse caso, cabe recurso ao plenário da Câmara
DEFESA: Se o processo for mantido, Cunha terá 10 dias úteis para se defender e apresentar testemunhas
INVESTIGAÇÃO: Coleta de documentos, testemunhos e provas leva 40 dias úteis. Ao fim desse prazo, relator tem 10 dias para apresentar o parecer final
VOTAÇÃO: Conselho vota o parecer final e pode aprovar perda do mandato ou pena alternativa
DECISÃO FINAL: Cabe ao plenário da Câmara. Se parecer for pela cassação, é preciso maioria absoluta (257 votos). Se for pelo arquivamento, basta maioria simples (metade mais um)