Escolhidos para apresentar as alegações do governo na comissão especial da Câmara, ministro da Fazenda e jurista afirmam que não há base para pedido de impeachment da presidente Dilma
Marcella Fernandes
Brasília — O governo começou a defesa da presidente Dilma Rousseff na comissão do impeachment com foco nos aspectos técnicos. O ministro da Fazenda e ex-titular do Planejamento, Nelson Barbosa, negou irregularidades em decretos suplementares editados pela Presidência e nas chamadas “pedaladas fiscais” — atrasos de repasses da União para bancos públicos. De acordo com os autores do pedido — os juristas Helio Bicudo, Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior — as manobras fiscais configuram crime de responsabilidade.
“Considero não haver base legal para o pedido de impedimento da presidente da República”, afirmou Barbosa, em audiência pública na comissão do impeachment. “No ano passado, o governo fez o maior contingenciamento da história. Não há que se falar de flexibilidade fiscal, de irregularidade fiscal ou de crime de responsabilidade fiscal no momento em que o governo fez o maior contingenciamento da história”, afirmou o ministro.
De acordo com ele, nenhum dos seis decretos mencionados modificou a programação financeira de 2015. “Você vai ao mercado com uma lista. No caminho, alguém liga e diz ’em vez de comprar um quilo de arroz, compre dois’, mas você continua com 100 reais no bolso”, disse.
Barbosa destacou que os mecanismos fiscais estavam ainda de acordo com a interpretação do Tribunal de Contas da União (TCU) à época. E que o governo acatou o entendimento adotado a partir de 2015. Até o primeiro semestre de 2014, a conta de suprimentos, usada para equilibrar repasses entre a União e bancos públicos, tinha saldo excessivamente negativo para União, mas no mesmo ano o governo zerou o saldo, segundo o ministro.
O ministro destacou que as acusações aceitas pela Câmara se referem ao atual mandato da petista, conforme pedido aceito pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em dezembro, quando determinou “não ser possível a responsabilização da Presidente da República por atos anteriores ao mandato vigente”. Ontem, Cunha afirmou que a comissão tem autonomia para mudar a abrangência de datas.
CONGRESSO Doutor em direito tributário, o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Ricardo Lodi Ribeiro, reforçou a defesa feita por Barbosa. Ele ressaltou que houve uma mudança no entendimento do TCU quanto às pedaladas e que até 2014 esse tipo de mecanismo fiscal não havia sido questionado. Também destacou que os decretos não configuram operação de crédito.
O jurista disse que “não se pode afirmar que a meta fiscal de 2015 não foi cumprida”, porque ela foi chancelada pelo Congresso, que aprovou o projeto de lei que alterou a meta fiscal. “Quero crer que o Congresso cumpriu com a sua responsabilidade, como sempre fez, e não se pode afirmar que a meta de 2015 não foi cumprida”, disse.
Ao começar sua fala, Ribeiro afirmou que estava presente para contribuir e não para julgar a presidente. “Não estou aqui para defender a presidente Dilma”, disse. Ao encerrar a participação, afirmou que os atos apontados contra a presidente não são capazes de levar o Congresso a interromper o mandato de Dilma: “Nenhum dos atos constitui crime de responsabilidade. Por essa razão, não está autorizado o Parlamento a encerrar o mandato da presidente da República. Falta de apoio parlamentar, impopularidade e o conjunto geral da obra não alicerçam pedido de impeachment”, disse o professor, que foi aplaudido.
Cada um teve 30 minutos para falar, mas ambos receberam mais cinco minutos para fazer sua explanação. Durante e após a fala de Lodi, houve momentos de tensão. O deputado Fernando Francischini (SD-PR) leu o diálogo entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Barbosa sobre a possibilidade de interferência na Receita Federal e insistiu que o petista venha se explicar na comissão. Rosso esclareceu que o ministro não precisaria responder ao deputado, porque esse não era o tema da reunião.
Parlamentares da oposição questionaram a presença do jurista, que é sócio do escritório do qual fez parte o ministro Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). “Não estou aqui como sócio e sim como professor adjunto da UERJ”, disse.
Essa foi a sétima sessão da comissão especial do impeachment. Havia menos deputados presentes do que na quarta-feira. Na sessão que ouviu os autores do pedido de impeachment, Reale Jr. e Janaína Paschoal, tinha, aproximadamente, 60 deputados. Ontem, o painel da comissão indicava 48 presentes quando o presidente da comissão, deputado Rogério Rosso (PSD-DF), iniciou a sessão.
DEFESA POLÍTICA Na próxima segunda-feira, acaba o prazo de entrega da defesa de Dilma. De acordo com o vice-líder do governo, deputado Paulo Teixeira, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, representará a petista na comissão. A data será acertada em uma reunião administrativa do colegiado na manhã de hoje.
Os petistas dão como certa a judicialização do processo. “Temos três frentes de atuação: o Congresso, a sociedade e o Supremo Tribunal Federal”, afirmou Paulo Teixeira, após a sessão. A partir da defesa, começa o prazo de cinco sessões plenárias para o relator na comissão, deputado Jovair Arantes (PTB-GO) entregar seu parecer. (Com Guilherme Waltenberg e agências)