Correio Braziliense | Política: Cardozo ataca Cunha, que bate no governo

Chefe da Advocacia-Geral da União afirma que o processo de impeachment não tem amparo legal e é “um pecado original” por ter sido aceito por vingança do presidente da Câmara. Peemedebista diz que ministro “polariza” e não consegue defender Dilma

Marcella Fernandes

Guilherme Waltenberg

Especial para o Correio

Em uma apresentação de quase duas horas na Comissão Especial do Impeachment, o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, criticou duramente o pedido de afastamento da presidente Dilma Rousseff que tramita na Câmara dos Deputados e pediu o arquivamento. Segundo o ministro, responsável pela defesa do Planalto, o atual processo carece de amparo legal e é um “pecado original” por ter sido aceito por vingança pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “Não foi aberto pelo exercício normal da competência legal de sua excelência o presidente da Câmara. Foi aberto como retaliação. Foi aberto como vingança. Foi aberto inclusive para se fazer em contraponto à própria condição efetiva de cassação de seumandato. Essa é uma verdade inexorável.”

Segundo Cardozo, “por inexistir crime de responsabilidade configurado, por não existir ato ilícito atribuível à presidente da República, por não existir ato doloso, um processo de impeachment equivaleria ao rasgar da Constituição Federal de 1988 se fosse acolhido, seria um golpe”. De acordo com ele, houve desvio de poder de Cunha ao aceitar o pedido horas após o PT anunciar que não o pouparia no Conselho de Ética da Casa, onde é alvo processo que pode levar à cassação se seu mandato.

Cunha rebateu afirmando que aceitou o pedido de afastamento de Dilma em 2 de dezembro e que a primeira votação no conselho foi em 15 de dezembro. Ele lembrou ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) já validou a aceitação ao julgar o rito do impeachment. O peemedebista rompeu com o governo em julho do ano passado. “Ele (Cardozo) busca obviamente tentar polarizar comigo para tentar evitar discussão do que tem que defender”, afirmou Cunha. “Ele tem que procurar defender o governo e não buscar um antagonismo qualquer para em cima desse antagonismo se furtar de dar as explicações para o país e convencer a comissão e o plenário para a abertura ou não do processo”, completou.

Na interpretação do ministro, para que haja crime de responsabilidade, como consta no pedido de impeachment, é necessário que haja “violência” contra a Constituição, não “qualquer ilegalidade”. “Quem desrespeita a lei não atenta contra o seu espírito. A Constituição deixa claro que não é qualquer ilegalidade, violação, qualquer situação de desrespeito tangencial à lei que deve ser enquadrado como crime de responsabilidade”, disse. Ele criticou ainda a legitimidade de um eventual governo que assumisse com a queda de Dilma.

O ministro tentou desconstruir, um a um, os argumentos que compõe o pedido de afastamento assinado pelos juristas Janaína Paschoal, Miguel Reale Júnior e Hélio Bicudo. Sobre as pedaladas fiscais, ele disse que a interpretação dos tribunais de contas permitia essas operações — o que mudou apenas a partir do ano passado. Sobre os decretos não autorizados liberando crédito sem autorização do Congresso, ele avaliou que outros governos estaduais fizeram o mesmo e um eventual impeachment abriria uma onda de impedimentos no país. Nesse momento, ele citou o governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), como um dos responsáveis por decretos semelhantes. “Cairia o Alckmin também?”, questionou a deputados tucanos.

Segundo o ministro, os decretos foram assinados por Dilma após o recebimento de pareceres jurídicos de técnicos do governo, o que impediria a alegação de que a presidente teria dolo (intencionalidade) ao cometer essas ações. Dessa forma, segundo a sua argumentação, ela não poderia ser acusada desses crimes, que necessitariam desse componente. Sobre as pedaladas de 2015, que o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, garantiu terem ocorrido apenas no Ministério da Agricultura e que, portanto, não seriam da alçada de Dilma. “Seria o mesmo que culpar o pai pelos crimes do filho”, comparou.

Mesmo com opiniões distintas sobre a apresentação do ministro, tanto parlamentares da base quanto da oposição avaliaram que Cardozo foi eloquente em sua defesa. O deputado Júlio Lopes (PP-RJ), favorável ao afastamento de Dilma, por exemplo, elogiou a oratória do ministro mas disse que ele inaugurou uma fase de “legalidade relativa” com sua fala. “Quer dizer que se um crime não for um atentado não é de responsabilidade? E quem vai determinar o que é ou não um atentado?”, questionou.

Judicialização

Cardozo criticou também as menções que deputados da oposição vem fazendo a escândalos que envolvem o PT, mas não constam no pedido de impeachment, como a compra da refinaria de Pasadena, que tem indícios de propinas, as denúncias na delação premiada do ex-líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (sem partido-MS) ou a possibilidade de a análise das pedaladas fiscais irem além de 2015 — suposta data limite aceita pelo presidente da Câmara. O relator, deputado Jovair Arantes (PTB-GO) cogita incluir tais pontos no parecer que deve apresentar na quarta-feira.

O governo aguarda o resultado da comissão para decidir sobre eventuais judicializações. A presidente Dilma Rousseff assistiu à defesa de Cardozo junto do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), e, segundo relato do parlamentar, teria ficado “entusiasmada” com o desempenho de seu defensor. A análise geral do governo é que o ministro foi eloquente e, se não serviu para angariar votos contra a abertura do processo, ao menos municiou os parlamentares simpáticos à Dilma com argumentos técnicos.

Maracujá

Devido ao clima belicoso que vem sendo registrado nas sessões do impeachment entre deputados da oposição e governistas, o presidente da Comissão Especial do Impeachment, Rogério Rosso (PSD-DF), determinou a distribuição de suco de maracujá durante a sessão da comissão nesta segunda. A ideia, segundo ele, era acalmar os ânimos. A iniciativa, aparentemente, trouxe algum êxito. Apesar de ter havido momentos de tensão, não houve embates físicos, como aqueles registrados na apresentação da denúncia. Na ocasião, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) empurrou Caio Nárcio (PSDB-MG) após provocações.

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