Não foi um dia bonito. Foi um dia de sentimentos conflitantes no Brasil e no plenário da Câmara dos Deputados. Ouvir um voto como o do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que enalteceu o coronel torturador Brilhante Ustra, é de incomodar qualquer democrata, especialmente por ter sido acompanhado de aplausos.
Pouquíssimos discursos citaram o que estava ali para ser votado: se o relatório do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), que trata de crime de responsabilidade por pedaladas fiscais, deveria ser aceito ou não. Apesar de todas essas contradições, é preciso entender a profundidade do que aconteceu nesse 17 de abril.
A votação da admissibilidade do impeachment foi o momento em que todas as contas foram apresentadas a um governo que errou na condução da política econômica e levou o país a uma depressão grave, o principal fator do processo político.
Havia os que simplesmente são de oposição e votariam pela continuação do processo, com ou sem motivo. Políticos de partidos que até recentemente faziam parte da base parlamentarapontavam no plenário uma série de queixas de abandono de seus redutos ou dos reflexos da crise econômica.
Os 73% de votos favoráveis à admissibilidade da denúncia mostram que o governo foi derrotado com votos oriundos de sua esfacelada base de sustentação. Eram políticos de partidos que até recentemente faziam parte da base parlamentar e apontavam no plenário uma série de queixas de abandono de seus redutos ou dos reflexos da crise econômica.
Em ano de eleição para as prefeituras, com a população amargurada pela crise econômica, a tendência dos deputados era mesmo a de mandar para os seus eleitores a informação de que estão atentos aos seus desejos. Por isso, foram tão frequentes os votos em nomes de estados, regiões e com referência aos eleitores. Esses votos serão usados na campanha de outubro.
É a influência das eleições municipais no voto dos deputados pelo impeachment. São estes prefeitos e vereadores que garantirão a reeleição deles em 2018. Há também muitos deputados que se candidatarão à prefeitura de suas cidades.
O deputado Silvio Costa, do PT do B, que durante todo o debate sempre mostrou segurança na vitória do governo, a certa altura da votação saiu do plenário para fumar. Na verdade, ele estava querendo um canto para chorar, como presenciou o blog. Eram 21h, e os votos estavam chegando aos 240 contra o governo. “Não me acostumo a conviver com canalhas”, disse, antes de sair, pedindo para ficar sozinho.
Àquela altura, tinha ficado claro que o governo perderia. Ministros e líderes do governo já admitiam a derrota. A estratégia do PT e seus aliados será agora insistir na narrativa de que houve “golpe”, além de exaltar a cobertura da imprensa internacional.
O ex-ministro da Aviação Civil Mauro Lopes comentou ao blog enquanto via o processo de votação. Ele mudou de voto na última hora e colocou-se contra o governo que serviu. “Sou secretário nacional do PMDB há 16 anos, então não podia fugir da indicação partidária. Peço até perdão, mas essa votação foi em um ato político. Não cometi nenhum pecado”, disse.
Aprovado por margem superior ao necessário, por 73% dos votos válidos, o governo ficou claramente minoritário. Desta forma, entrará na nova batalha no Senado, que é crítica, ainda mais fraco e isolado.
“Agora o processo vai para o Senado, que é a casa julgadora. É lá que se faz oitiva de testemunha. Em caso de admissibilidade, e o afastamento de Dilma, é que finalmente o julgamento se dará”, disse Rogério Rosso (PSD-DF), ao blog logo após a votação.
No Senado, governistas não poderão colocar a culpa no presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que comandou o processo nos bastidores nos últimos meses. Cunha, por seu lado, não terá muito tempo para comemorar. É réu da Lava Jato e tem contra ele fortes indícios de corrupção.
As investigações estão avançadas na Procuradoria Geral da República, informam investigadores da Lava Jato ao blog, especialmente no processo que trata das contas no exterior. Cunha negou ser dono das contas e argumenta que elas são administradas por trustes. Ele admite, porém, ser o “usufrutuário” dos ativos mantidos no exterior.
Nas contas de aliados, ele pode escapar do Conselho de Ética. Verá, no entrando, a sua situação piorar juridicamente no avançar das investigações contra ele.
Depois desse difícil dia, será preciso reorganizar o país. Não será fácil, nem na política, nem na economia. Os deputados fizeram o que a maioria dos eleitores queria, como mostram as pesquisas de opinião, mas as divisões continuarão após a votação.
Contudo, tirar a presidente Dilma Rousseff não resolve o problema. O vice Michel Temer terá que tentar convencer que tem um projeto para a retomada do crescimento e organização do país, enquanto também responderá as acusações contra ele na Lava Jato.
por Matheus Leitão