Walter Ihoshi: Não há milagres

Nesta quarta-feira, 3 de julho, médicos de diversos estados brasileiros vão para as ruas protestar contra a importação de médicos estrangeiros, sem a revalidação do diploma, para trabalhar na rede pública. O anúncio feito pelo governo federal há cerca de um mês foi confirmado pela presidente Dilma Rousseff, na semana passada. A princípio seriam seis mil cubanos. Agora, estuda-se a possibilidade de trazer médicos da Espanha e também de Portugal. Segundo Dilma, uma das dificuldades para melhorar a saúde do Brasil é o número insuficiente de médicos em território nacional.

A medida é repudiada por entidades médicas federais e regionais. Elas afirmam que inserir médicos com formação duvidosa só para preencher quadros hospitalares colocará a vida de milhares de cidadãos em risco. E faz sentindo. O imbróglio já começaria pela dificuldade de adaptação de um estrangeiro em qualquer país, como língua e costumes. Um médico que não domina o português não conseguiria entender o paciente, e o paciente, por sua vez, também não compreenderia o médico.

O segundo ponto seria a qualificação, de fato. Quando um brasileiro que quer trabalhar em qualquer parte do mundo, precisa passar por um exame rigoroso, e provar que está apto a exercer tal função. Cobra-se diploma, conhecimento, fluência no idioma. E o Brasil, o que vai cobrar dos estrangeiros? Qual será o critério usado? Médicos estrangeiros são bem-vindos ao país, desde que atendam às exigências do Conselho Federal de Medicina.

Mas a verdade é que o bom tratamento da população não depende só de médicos. São necessários hospitais em bom estado, laboratórios, materiais, equipamentos, medicamentos. É preciso resolver a falta de leitos, as ambulâncias paradas por falta de combustível. Os médicos, sozinhos, não farão milagres, por melhores que sejam.

É preciso investir em infraestrutura, e oferecer condições de trabalho decentes a esses profissionais. Não adianta oferecer salário alto se o médico não tem ferramentas básicas para trabalhar. Como solicitar um tratamento, quando não se tem álcool, algodão e um simples aparelho de raio-x? Ninguém quer ter o CRM cassado, ou carregar a morte de alguém nas costas sabendo que poderia salvá-la – se tivesse recursos mínimos para isso. Dinheiro não basta.

Faltam estímulos para os doutores dos grandes centros urbanos se deslocarem para o interior, e para as áreas mais carentes. O Brasil forma aproximadamente 16 mil médicos por ano. Só em São Paulo, são emitidos, em média, três mil registros a recém-formados, de acordo com o Conselho Regional de Medicina do Estado. Estima-se que existam 350 mil médicos, hoje, no país. Eles se concentram nas regiões Sul e Sudeste. Mas com certeza se mudariam se valesse a pena.

Além das condições de trabalho, o governo poderia criar um plano de carreira de Estado para o médico, assim como é feito no Poder Judiciário: anunciar concurso público, com boa remuneração e que oferecesse estabilidade. Assim, até os profissionais experientes poderiam fixar residência nos lugares mais inóspitos do Brasil.

Também poderia ser criado um programa para recém-formados por universidades públicas. A ideia é que alunos de boas instituições, como a USP, por exemplo, possam prestar serviço de dois ou três anos ao Brasil, como forma de retribuir à sociedade brasileira a formação de excelência bancada pelo povo.  De quebra, eles incluiriam em seu currículo uma vivência singular.

O problema do sistema de saúde brasileiro vai muito além da contratação de médicos. Mas reconhecer que o problema existe, e que ele é grande, já é um começo. Que a presidente Dilma e as entidades médicas entrem num consenso. E os governos, seja ele federal, estadual ou municipal, passem a colocar a saúde no topo de suas prioridades. Chega de gente morrendo na espera.

Walter Ihoshi é deputado federal pelo PSD-SP

 


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