Alvo de um processo de cassação e réu no Supremo Tribunal Federal por corrupção e lavagem de dinheiro, o presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), renunciou nesta quinta-feira ao comando da Casa. Cunha está afastado das funções há dois meses por determinação do STF – que na ocasião indicou inclusive que uma eventual prisão do peemedebista não estava descartada. Ainda que fora da presidência da Câmara, Cunha segue deputado e mantém, portanto, o foro privilegiado. O parlamentar chegou escoltado à Casa e ouviram-se gritos de ‘ladrão’ e ‘fora Cunha’. Ele foi acompanhado na coletiva em que anunciou a renúncia pelos aliados Carlos Marun (PMDB-MS), João Carlos Bacelar (PRB-BA), Jovair Arantes (PTB-GO) e Marcelo Aro (PHS-MG). Cunha leu diante de jornalistas a carta que entregou à Secretaria-Geral da Casa.
No documento, o deputado se diz vítima de ‘perseguição e vingança’ por ter dado início ao processo de impeachment contra a presidente afastada Dilma Rousseff. Ao criticar a decisão do STF que o afastou do mandato, Cunha afirma que somente sua renúncia poderia por fim à instabilidade política no país. A exemplo do que foi sua gestão à frente da Casa, Cunha caiu atirando: disse que muito se orgulha de ter dado início ao processo que “colocou fim a um governo que, além de ter praticado crime de responsabilidade, era inoperante e envolvido com atividades irregulares”. Ele afirmou que seu gesto nunca será esquecido e que a “história fará justiça a seu ato de coragem”. O peemedebista ainda se referiu à gestão da petista como “criminosa e desastrada”.
Notabilizado pela frieza com que conduzia votações espinhosas e encarava críticas de adversários, Cunha emocionou-se ao agradecer a Deus, a aliados e a sua família pelo apoio “no meio dessa perseguição política”. “Quero reiterar que comprovarei minha inocência”, afirmou.
Apoio – A decisão de Cunha reprisa estratégia usada pelo seu correligionário Renan Calheiros (AL), que em 2007 renunciou à presidência do Senado na véspera de seu processo de cassação ser votado em plenário. À época, no entanto, o voto dos congressistas era fechado, e Renan acabou absolvido. No caso de Eduardo Cunha, a votação se dará por meio do voto aberto. Por isso, nos bastidores, considera-se improvável que o deputado fluminense consiga escapar da perda do mandato.
Logo, a renúncia de Cunha ao comando da Câmara é vista como a última cartada do peemedebista para conseguir a “solidariedade” dos colegas. Ele ainda tenta emplacar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) recursos contra o pedido de cassação, aprovado pelo Conselho de Ética. Se perder o mandato, o peemedebista fica inelegível por oito anos e – mais grave – perde o foro privilegiado, o que leva as investigações contra ele na Lava Jato para as mãos do juiz federal Sérgio Moro, a exemplo do que já ocorre com a mulher e a filha do deputado.
A investida de Cunha na CCJ visa anular a aprovação de seu pedido de cassação e devolver o processo ao Conselho de Ética. O colegiado é formado por 66 deputados e, para que seu pleito seja atendido, ele precisa do aval de 34 congressistas – número que, até antes da renúncia, aliados diziam que ele não tinha. Alguns deputados aguardavam o último gesto do peemedebista para definir seu voto. A CCJ vai se reunir na próxima segunda-feira para votar o parecer do deputado Ronaldo Fonseca (Pros-DF), aliado de Cunha que defendeu que o processo retorne ao Conselho de Ética.
Sucessor – A renúncia de Cunha não significa que ele sai de cena do comando da Câmara dos Deputados. A vacância da cadeira abre caminho para a convocação de novas eleições em até cinco sessões, de modo a tirar o deputado Waldir Maranhão (PP-MA) do posto. Nos bastidores, aponta-se para um acordo entre Cunha, o Planalto e parlamentares do chamado “centrão” para eleger o líder do PSD, Rogério Rosso (PSD-DF), ex-presidente da comissão do impeachment e aliado de Cunha. Questionado pelo site de VEJA, o parlamentar do DF evitou tratar do acordo. Disse apenas ser possível a realização de novas eleições antes do recesso, que terá início no dia 18 de julho. “No caso de Aldo Rebelo, demorou apenas dois dias”, afirmou Rosso, referindo-se à renúncia de Severino Cavalcanti em 2005, quando Rebelo assumiu o posto.
Aliado de primeira hora de Eduardo Cunha, o deputado Carlos Marun, que defendia abertamente que o peemedebista deixasse o cargo de cúpula na Câmara, disse que a renúncia consolidada “era o melhor a fazer”. Segundo ele, o anúncio nesta quinta-feira permite que uma nova eleição seja feita nos primeiros dias da próxima semana. “A renúncia acontece hoje para que haja tempo hábil para eleição nos primeiros dias na próxima semana, até na segunda-feira”, disse.
STF – Com a renúncia, os processos da Operação Lava Jato a que o deputado responde serão deslocados para a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), colegiado formado por cinco ministros e responsável por julgar autoridades com foro privilegiado investigadas no escândalo do petrolão. Ao contrário do que ocorre no Plenário do Supremo, neste colegiado, os julgamentos não são televisionados e bastam três votos dos cinco possíveis para que o parlamentar seja condenado. A Segunda Turma é presidida pelo ministro Gilmar Mendes, a quem cabe pautar, em acordo com os demais ministros – Teori Zavascki, Cármen Lúcia, Celso de Mello e Dias Toffoli – os processos para julgamento.