Sessão desta terça do Conselho de Ética: enrolação e baixaria(Antonio Araújo/Câmara dos Deputados)
O roteiro voltou a se repetir na Câmara dos Deputados: pela terceira semana consecutiva, aliados do presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ) conseguiram emplacar uma série de manobras para evitar o andamento do processo de cassação contra o peemedebista no Conselho de Ética. A sessão se estendeu durante seis horas, durante as quais boa parte do tempo foi dedicado a temas alheios à quebra de decoro do presidente da Câmara, e acabou encerrada sem que fosse votado o parecer que pede a continuidade das investigações sobre Cunha. Houve espaço até para discussões que beiraram a baixaria.
Além das manobras já tradicionais, colaborou para a extensão da reunião a quantidade de parlamentares inscritos para falar, além da apresentação do voto em separado de Wellington Roberto (PR-PB). A sessão se arrastou de tal modo que acabou coincidindo com o horário em que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-RJ), deu início à sessão conjunta do Congresso que votará vetos presidenciais que trancam a pauta e a meta fiscal. Os trabalhos devem ser retomados na tarde desta quarta-feira.
Durante a sessão desta terça-feira, o conselho sequer discutiria o mérito das acusações que recaem sobre Eduardo Cunha: o presidente da Câmara passou a ser alvo de processo após a constatação de que mantinha uma conta na Suíça, o que comprovaria a quebra de decoro por ter mentido à CPI da Petrobras, quando negou estar ligado a qualquer conta no exterior. De acordo com o Ministério Público, a conta de Cunha foi abastecida com recursos fraudulentos do esquema de corrupção da Petrobras. Nesta tarde, o colegiado se debruçaria apenas sobre a admissibilidade da denúncia, ou seja, se o caso deveria ou não ser investigado. Mas acabou novamente sem uma decisão. O processo contra Cunha foi instaurado há quase um mês e desde então segue paralisado.
Enrolação e bate-boca – Com base em argumentos que beiram o escárnio, aliados de Cunha protagonizaram diversas estratégias para atrapalhar o andamento do processo. A discussão envolveu até a acusação de que um deputado “furou a fila” – e acabou em gritaria e dedos em riste. A briga se deu entre os deputados Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e Sérgio Moraes (PTB-RS) – este, aliás, autor da memorável declaração de que “está se lixando” para a opinião pública. Moraes tende a votar pelo arquivamento do processo contra Cunha. Ele se irritou porque Lorenzoni se antecipou e registrou presença no painel um minuto antes do horário previsto. Os dois são suplentes e, como Lorenzoni saiu à frente, o outro ficou sem a possibilidade de votar na sessão desta terça.
O democrata afirmou que não era culpa dele se houve falha no sistema e que há “um trabalho” para evitar o andamento do parecer contra Cunha. Sérgio Moraes reagiu com o dedo em riste: “O senhor é um mentiroso de primeira linha. Vossa excelência tem de ser homem para dizer [quem está obstruindo]. Se acusou e apontou o dedo, diga. Vossa excelência está acostumado com moleque, não com homem. Vossa excelência não é digno do seu mandato”, afirmou.
Colegas de Cunha – alguns deles nem sequer membros do colegiado – ainda tentaram novamente afastar o deputado Fausto Pinato (PRB-SP) da relatoria e também fizeram uma investida contra conhecidos adversários de Cunha, tentando tornar a deputada Eliziane Gama (Rede-MA) e o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) impedidos de votar no conselho. Em outra frente, o deputado Wellington Roberto (PR-PB) anunciou que vai apresentar um parecer alternativo ao de Pinato para livrar Cunha da cassação. O presidente do colegiado, deputado José Carlos Araújo (PSD-BA), disse em tom de ironia que, diante de tantas reclamações, iria protestar contra o mau funcionamento do ar-condicionado. A sala da reunião estava lotada nesta terça-feira, o que deixou o ambiente abafado.
Defesa – Em um apelo para que os deputados poupem Eduardo Cunha, o advogado Marcelo Nobre tentou desqualificar o trabalho de Fausto Pinato, argumentando que o parecer que pede a investigação contra o peemedebista é embasado principalmente em denúncia da Procuradoria-Geral da República. “Vossas excelências sabem melhor que ninguém que denúncia não prova nada. Quantas denúncias são propostas diariamente no Brasil e não são recebidas pelos magistrados? Quem diz que está comprovado e condena é o Judiciário”, afirmou o jurista.
O advogado do presidente da Câmara disse ainda que a ação da procuradoria se deu em cima de “delações torturadas”, em referência ao argumento dos advogados da Lava Jato de que as delações foram forçadas pelos investigadores em troca da liberdade, e tentou sustentar a tese de que Cunha não mentiu à CPI quando disse que não tinha dinheiro em contas não declaradas no Imposto de Renda. Segundo Nobre, o peemedebista mantém trusts no exterior, e não há previsão legal que exija que qualquer cidadão brasileiro tenha de declarar valores nessa situação.
“O meu cliente já foi réu no Supremo e acabou absolvido por unanimidade. Não podemos admitir que uma denúncia faça prova de nada. Esse processo é natimorto, já se sabe qual é o fim: o arquivamento”, disse Marcelo Nobre. “Em se admitindo que o processo seja aberto, não se vai fazer com que a denúncia do MP vire prova, não vai, da mesma forma, conseguir mostrar que há lei que obrigue o cidadão a declarar trusts no imposto de renda. Qual o objetivo de abrir um processo onde já sabemos o fim desde já? A defesa não tem como concordar em abrir um processo para sangrar um deputado”, continuou o advogado.
Relator do processo, Fausto Pinato rebateu o jurista argumentando que o parecer preliminar não fala de fato provado e tampouco entra no mérito das denúncias que pesam contra Cunha. “O exame de admissibilidade, em momento algum, prejulgou alguém. A fala do nobre advogado nos traz a seguinte reflexão: mais do que tudo, temos de continuar esse processo, porque precisamos saber do mérito, do contraditório e das sociedades mantidas pelo presidente”, afirmou Pinato. “Peço aos parlamentares que coloquem a mão na consciência não para prejulgar, apenas para a gente ter o direito de apurar a verdade”, continuou.