Vicente Cândido: petista diz que Levy apoia projeto e afirma que seria possível securitizar R$ 500 bilhões
Deputados e líderes da base aliada protocolaram projeto de lei para pressionar o governo a securitizar a Dívida Ativa da União como alternativa à aprovação da CPMF. Parlamentares de 11 partidos que encampam a proposta dizem que o Executivo pode arrecadar cerca de R$ 100 bilhões com a iniciativa e negociaram com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para votar em plenário em duas semanas.
A proposta foi apresentada há algumas semanas aos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, e ao secretário do Tesouro Nacional, Jorge Rachid, mas a equipe econômica não avaliza o projeto. A Fazenda teme, especialmente, que a possibilidade do deságio acabe estimulando a inadimplência dos contribuintes.
Os líderes esperavam que o governo endossasse a proposta e a incluísse no ajuste fiscal, relatou ao Valor o líder do PT, Sibá Machado (AC). Como isso não ocorreu, a base aliada decidiu, junto com Eduardo Cunha, levar a matéria direto para o plenário para obrigar o debate público.
Onze partidos subscrevem o texto: PMDB, PT, PSD, PDT, PP, PR, PCdoB, Pros, PRB, da base governistas, e os “independentes” PTB, PSB e PSC. O projeto também tem o apoio de governadores e prefeitos, que terão permissão, por meio de legislação federal, para a aprovarem leis locais para vender suas próprias dívidas ativas.
São dois projetos de autoria do deputado Vicente Cândido (PT-SP) para autorizar a cessão de títulos da dívida ativa pela União, Estados e municípios. A dívida ativa da União é estimada em R$ 2,2 trilhões, sendo que, segundo Cândido, pelo menos R$ 500 bilhões seriam negociáveis. A maior parte, cerca de R$ 1,5 trilhão, foi renegociado por meio do Refis. Bancos ou outras empresas pagariam antecipadamente ao governo, com um deságio, pelo direito de cobrar – e receber – o valor completo.
“É uma solução para acabar com essa paranoia do governo de CPMF. Será uma arrecadação de cerca de R$ 100 bilhões a R$ 110 bilhões”, disse o líder do PTB, deputado Jovair Arantes (GO). “Vamos sair da agenda do imposto e encontrar uma alternativa para as contas públicas”, emendou o líder do PSD, Rogério Rosso (DF).
Cândido diz que a mera cobrança pelas vias administrativa e judicial “dificulta” a recuperação dos valores e que é “legítimo que a Fazenda Pública possa ceder a instituições financeiras os créditos que ela tem dificuldade de recuperar”. A regra valeria para elevar a receita dos governos federais, estaduais e municipais.
A matéria, contudo, é controversa. O Tribunal de Contas da União (TCU) analisa operações parecidas já feitas pelos governos de Minas Gerais e São Paulo e pela Prefeitura de Belo Horizonte e pareceres da área técnica se posicionaram no sentido de que essa prática confronta a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e, portanto, seria proibida.
Para a área técnica do TCU, a cessão dos títulos da dívida ativa – que os governos tentam vender como “alienações de direitos” ou “vendas de ativos” – representariam “operação de crédito” e por isso confrontariam com a LRF. Na proposta, Cândido ressalta que não se busca por “vias transversas” permitir operações à revelia da legislação financeira.
O projeto estabelece que caberá à Advocacia-Geral da União (AGU) ceder os créditos da dívida ativa por meio de leilão. O vencedor será aquele que oferecer o menor valor de deságio entre o crédito cedido e o valor pago à União. O crédito pode ser concedido à uma financeira, que cobrará os credores por meios próprios, ou para outras empresas.
Segundo Jovair, qualquer um poderá participar. “A própria empresa, sócios ou ascendentes deles podem comprar, com um rebate grande, a dívida dela com a União. Pode funcionar com empresas falidas, para regularizar a situação”, disse, ao dar exemplo de companhias que compraram outras em processo de falência de olho nas marcas e acervo.
A lei estipula que o edital fixará o valor máximo do deságio, considerada a classificação do crédito de acordo com sua qualidade, a viabilidade da execução e as características socioeconômicas do devedor. O valor mínimo do lance pode, porém, ter caráter sigiloso e só ser conhecido por órgãos de controle.
O vencedor do leilão fará o pagamento à União no momento da assinatura do contrato de cessão e poderá parcelá-lo em até seis vezes.
O procurador-geral da Fazenda Nacional, Paulo Riscado, disse ao Valor que é contrário à proposta, e que essa é a posição do Ministério da Fazenda. Para ele, o projeto é “inconstitucional”, porque somente a procuradoria teria legitimidade para executar os títulos da dívida pública. Ressalva que a dívida é complexa, envolve títulos “podres”, empresas insolventes, fraudadores. Diz que o mais adequado seria fortalecer a Procuradoria para otimizar a cobrança das dívidas. “Não há solução mágica, mas queremos contribuir para o debate”, afirma.
Na semana passada, em debate na Câmara, o ministro Joaquim Levy foi questionado pelo deputado Esperidião Amin (PP-SC) sobre a possibilidade cobrar os devedores antes de recriar tributos. “O governo deve fazer um esforço moralmente necessário: antes de pedir mais sacrifícios de quem paga, não se esquecer de quem não pagou”, disse o deputado. Levy respondeu que está atento a isso, embora grande parte da dívida pública esteja renegociada em “módicas e numerosas prestações” e outra parte esteja protegida por decisões do Supremo Tribunal Federal. “Também queremos trazer, dentro dessa pauta de reformas, uma lei de execução fiscal que destrave a cobrança da dívida ativa”, disse.