BRASÍLIA – A proposta de concentrar a inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal na esfera federal, contida na Medida Provisória 653, gerou reação contrária de parlamentares nesta quarta-feira. Eles alertaram que a proposta favorece grandes grupos de frigoríficos, como o JBS, em detrimento dos pequenos.
Para ser aprovada, a MP precisa do sinal verde de uma comissão especial e dos plenários da Câmara e do Senado até o dia 8 de dezembro, data em que perderá a validade.
Em reunião da comissão criada para discutir a medida, os deputados advertiram que, se aprovada a MP, os pequenos e médios frigoríficos, que hoje são submetidos a fiscalizações estaduais ou municipais, não terão condições de atender aos critérios de inspeção federal. O relatório final da MP, do deputado Manoel Junior (PMDB-PB), prevê a extinção dos serviços de inspeção de Estados e municípios.
O texto original da MP encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional trata de alterações no modelo de fiscalização de farmácias. Mas, na última quinta-feira, a pedido do Ministério da Agricultura, foi alterado pelo relator, como antecipou o Valor.
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) chamou a tentativa de federalizar a inspeção animal no Brasil de “jabuti”, termo usado no jargão parlamentar para se referir a matérias estranhas ao conteúdo principal da proposta de lei. Para ele, trata-se de ação do grupo JBS, empresa que lidera o mercado mundial de processamento de proteína animal e que também liderou as doações a campanhas eleitorais em 2014.
“Quando ‘jabuti’ sobe à árvore é enchente ou alguém colocou lá por algum interesse maior. Vamos falar o português correto, isso vai atender aos interesses da Friboi, que financiou [a campanha eleitoral de] 82 deputados”, afirmou Valente.
Já o deputado Moreira Mendes (PSD-RO), integrante da bancada ruralista, defendeu que a MP trate apenas de fiscalização a farmácias, como proposto inicialmente pelo Executivo.
“ [Inspeção animal] Não tem nada a ver com o conteúdo desta medida provisória, é um corpo estranho e vai inviabilizar os pequenos frigoríficos do país, que são licenciados pela fiscalização sanitária estadual ou municipal”, disse Mendes. “O Ministério da Agricultura não tem estrutura para suportar uma fiscalização desse porte, controlar todo o país.”
Mendes ainda advertiu que, se a Medida Provisória for aprovada a favor da federalização da inspeção animal, “certamente será derrubada no plenário da Câmara, inclusive com o esforço do meu partido”.
Especialistas ouvidos pela reportagem concordam em dizer que se aprovada a proposta, a inspeção de estabelecimentos que produzem carne e lácteos, por exemplo, passará a ser realizada exclusivamente pelos fiscais agropecuários federais do Ministério da Agricultura. E serão extintos os órgãos de defesa agropecuária estaduais e municipais.
O deputado Manoel Junior assegurou que manterá os trechos que propõem a federalização da inspeção animal e disse que inseriu os artigos na MP a pedido do ministro da Agricultura, Neri Geller.
“Esse texto, antes de se colocar na medida provisória, foi observado pelo próprio Ministério da Agricultura. Não é de interesse pessoal meu, até porque nunca tive essa felicidade ou infelicidade de receber ajuda ou contribuição da Friboi”, retrucou o deputado em resposta a Ivan Valente.
Procurada, a JBS não quis se pronunciar a respeito das manifestações dos deputados nem quanto ao conteúdo da MP.
O Valor apurou que, apesar de o ministro ser favorável à mudança na Lei, o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa), instância do próprio ministério, assinou parecer técnico contrário à MP. Ontem à noite, em reunião na Casa Civil para discutir o tema, o secretário executivo do Mapa, José Gerardo Fontelles, também se posicionou contra.
“Essa medida não tem o menor sentido. Se nós estamos querendo descentralizar o sistema de inspeção nacional não tem porque federalizar tudo de novo como foi feito nos anos 70 [1970]”, revelou um técnico da Pasta, que preferiu não se identificar.