Valor Econômico: Governo admite ceder sobre uso de emendas

Thiago Resende, Raphael Di Cunto, Vandson Lima e Andréa Jubé

De Brasília

O governo piscou nas primeiras negociações e admitiu recuar sobre o uso das emendas parlamentares ao orçamento para cobrir despesas da Saúde e do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC). O pacote de austeridade anunciado na segunda-feira retira de deputados e senadores o poder de decidir onde aplicar R$ 7,6 bilhões das emendas do orçamento impositivo. Para fechar as contas de 2016, a equipe econômica avançou sobre essas verbas, o que causou profundo mal estar entre os parlamentares.

O orçamento impositivo foi aprovado pelo Congresso para acabar com o poder de fogo do Palácio do Planalto e da equipe econômica, na hora da liberação das emendas. É o chamado “balcão” que funciona na Secretaria de Relações Institucionais (SRI) da Presidência da República. Sendo impositivo, o orçamento para as verbas parlamentares também estaria livre dos habituais contingenciamentos realizados pelo Executivo.

Ao buscar ontem o apoio dos aliados, a presidente Dilma Rousseff ouviu que o cenário não é favorável. Governistas já admitem mudanças nas propostas e relataram que a receptividade não foi boa, principalmente em relação à reedição da CPMF, pilar para alcançar a meta de superávit primário de 0,7% do Produto Interno Bruto.

Dilma recebeu deputados e senadores e foi avisada da grande dificuldade para aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para retomar o imposto, extinto na maior derrota do governo Lula. Com o exíguo tempo para que a medida entre em vigor em 2016, a presidente deu a entender que estará pessoalmente empenhada nas negociações.

Dilma detalhou as decisões do governo relativas ao pacote e afirmou que a escolha pela CPMF se deu em detrimento de novo aumento da Cide sobre combustíveis, que dependeria apenas da decisão do Executivo, mas com impacto muito maior na inflação. As projeções mostradas por Dilma ontem apontavam para arrecadação extra de R$ 20 bilhões.

Contrário a qualquer aumento de tributos, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), não demonstrou apoio à medida. Para ele, será impossível o Congresso aprovar a PEC, cujo trâmite é longo: passa pela Comissão de Constituição e Justiça (CÇJ), uma comissão especial e precisa, em dois turnos, dos votos de três quintos da Câmara (pelo menos 308 votos) antes de seguir para o Senado. “A CPMF incide em cascata. Não há nenhum país no mundo que tenha contribuição como essa”, criticou.

A bancada ruralista, um dos grupos mais influentes da Câmara se declarou ontem, em almoço com Cunha, contrário ao projeto. “Temos trabalhado para dar governabilidade, mas aumento da carga tributária não vamos apoiar. A frente é totalmente contrária à CPMF, é decisão nossa por ampla maioria”, afirmou o presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), deputado Marcos Montes (PSD-MG).

O líder do partido de Montes, deputado Rogério Rosso (DF), discutiu com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sobre as iniciativas para fechar o Orçamento de 2016. Conforme relatou um parlamentar, “Levy tem uma visão muito diferente de grande parte da base aliada”. Ele teria culpado do Congresso pela decisão da agência Standard & Poor’s de retirar o grau de investimento do país. Rosso interveio e disse que o motivo foi a política econômica que não privilegia a produção nacional.

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), admitiu que será difícil aprovar o imposto na atual conjuntura. “Se com uma base social forte e uma [base] parlamentar forte é difícil [aprovar alta de impostos], imagina num momento como esse, em que estamos passando por dificuldades”, afirmou.

O governo trabalha com alíquota de 0,2% da CPMF para a União, mas, em conversas com governadores, discutiu elevar esse patamar para 0,38% e compartilhar a diferença com Estados e municípios. O apoio dos governadores e prefeitos, segundo aliados ao Palácio do Planalto, aumentaria as chances de aprovação.

Cunha analisa de forma contrária: “aumentando a alíquota, aumenta o risco de derrota”. Para o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a aceitação de um novo patamar dependerá do “convencimento de cada congressista”. Ele também prevê alterações no pacote. Disse que o Legislativo “não vai fechar as portas para a retomada do crescimento da economia […] Vamos cobrar sempre, melhorar as propostas que aqui chegam”.

A bancada do PMDB na Câmara mostrou uma grande divisão sobre a volta da CPMF na primeira reunião para discutir o ajuste das contas públicas. Parte dos deputados mais ligados ao governo defendeu a proposta, enquanto o grupo de oposição criticou a atitude do governo de “jogar a conta no colo dos brasileiros” e não fazer a sua parte cortando gastos. (Colaborou Raymundo Costa)

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