Após mais de 13 horas de discursos contra e a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff, a comissão especial da Câmara dos Deputados que discute a denúncia de que a petista cometeu crime de responsabilidade pelas pedaladas fiscais e edição de decretos orçamentários que não teriam autorização do Congresso encerrou a fase de debates entre os parlamentares. Ao todo, 39 falaram a favor do parecer do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), que defende a abertura de processo contra Dilma. Destes, 17 são titulares na comissão e votarão o relatório na segunda-feira à tarde. Outros 20 discursaram contra o impeachment – 15 deles integrantes do colegiado. O governo já dá como certa a derrota na comissão, onde a votação é por maioria simples, mas tenta mostrar força ao reduzir a margem da oposição. Pela contabilidade atual, pelo menos 35 dos 65 titulares são a favor do impeachment – número que pode aumentar para 38 com o apoio dos que ainda não declararam voto, mas demonstram simpatia pela saída de Dilma nos bastidores.
O governo contaria com 22 votos. O resto está indeciso. O discurso é de que a oposição não teria dois terços (66%) dos votos na comissão, número necessário para aprovar o impeachment no plenário – 342 dos 513 deputados- e, por isso, o processo não avançará. No cenário atual, os favoráveis ao fim do governo Dilma estariam entre 54% e 58% dos titulares da comissão. Um dos indecisos, o deputado Bebeto (PSB-BA) reclamou da forma como foi estabelecida a ordem dos discursos, divididos entre os favoráveis ou contrários ao relatório. “Precisamos ter a liberdade de opinar”, disse o parlamentar, que se inscreveu nas duas listas. Ainda sem posição formada, Bebeto – que é ligado ao PT na Bahia – sinalizou que votará segundo a posição partidária. Na segunda-feira, o PSB declarará apoio ao impeachment, mas liberará os deputados para votarem como quiserem com o argumento de que parte apoiou Dilma no segundo turno.
No debate, os governistas centraram fogo em três pontos para dar discurso para os aliados se oporem ao impeachment: de que não há crime de responsabilidade na denúncia, e, portanto, seria golpe; de que o governo Michel Temer (PMDB) retirará direitos e promoverá retrocessos sociais; e que o impeachment é um ato de vingança do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pelo PT ter votado pela abertura de processo contra ele no Conselho de Ética. “A oposição aproveita a crise econômica global e aposta na crise política para criar ambiente de golpismo que pudesse justificar a cassação de mandato fora da lei, fora da Constituição. Para levar ao governo quem? Michel Temer. Com quem de aliado? Eduardo Cunha, que seria o novo vice-presidente da República. Alguém acredita que vai melhorar o combate a corrupção colocando Cunha na segundo mais importante função da República? Eu não acredito”, afirmou o deputado Henrique Fontana (PT-RS).
Para Carlos Zarattini (PT-SP), o objetivo do “golpe” é reduzir os direitos dos trabalhadores, aprovar a lei de terceirização, impedir a reforma agrária, acabar com a aposentadoria por tempo de serviço para que o “trabalhador mais simples trabalhe mais tempo” e retroagir as conquistas dos últimos anos. “A oposição não suporta ver o povo melhorar de vida. Ver o povo estudar em faculdade com o Prouni e Fies”, disse. O líder do Rede Sustentabilidade, Alessandro Molon (RJ), defendeu que a rejeição do governo não é motivo para encerrar o mandato precocemente no sistema republicano. “Se popularidade fosse motivo para o impeachment, deveríamos aqui todos renunciar, porque o ótimo/bom desta Casa é inferior ao ótimo/bom da chefe do Executivo federal”, disse. Os discursos pró-governo se concentraram nos partidos de esquerda: PT, PCdoB, PDT e Rede. Aliados do “centrão”, com os quais o governo conta para derrotar o impeachment em plenário, quase não se pronunciaram para defender Dilma – só um do PMDB, o líder Leonardo Picciani (RJ), discursou contra o parecer.
Por outro lado, nove parlamentares de PP, PMDB e PSD que fazem parte da comissão foram aos microfones defender o relatório. Suplente na comissão, o deputado Evandro Roman (PR), que é da ala oposicionista do PSD, afirmou que, no mínimo, o governo errou por omissão em relação às pedaladas fiscais, que infringiram a lei de responsabilidade fiscal, e isso constituiria crime de responsabilidade. Sobre como será um novo governo, ele afirmou: “estamos entre o certo e o duvidoso. O certo não tem mais respeito. O duvidoso me dá esperança porque o que está aí eu não quero”. O deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), titular da comissão, lembrou que Cunha deve acolher outros pedidos de impeachment caso este seja derrotado e afirmou que, embora o objeto da atual denúncia seja crimes fiscais, é preciso analisar o conjunto. “Não há que separar pedaladas, que por si só é justificativa para o afastamento, do esquema de corrupção junto com empreiteiros”, afirmou.
“Os casos de corrupção, como o da Petrobras, não podem passar despercebidos nesta comissão”, disse o deputado Marcelo Aro (PHS-MG), que é diretor da CBF, função que foi questionada pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS), o que provocou tumulto entre oposição e o petista – que, já por volta das 2h, estava praticamente sozinho na defesa do governo. Com o avanço da discussão madrugada adentro, a maioria dos aliados do governo que se inscreveram para falar já tinha ido embora. Às 2h40 o presidente da comissão, deputado Rogério Rosso (PSD-DF), chamou uma dezena de parlamentares inscritos a favor, mas todos tinham ido embora. Picciani foi o último a defender Dilma. O pemedebista disse não ver fundamento para romper o princípio democrático do voto popular e que os advogados Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal, autores da denúncia, fizeram um discurso político ao falarem à comissão e tentaram ampliar a acusação com fatos além das pedaladas, o que mostra a fragilidade da peça.
“Se quem escreveu a denúncia, para fazer crer, precisou buscar tantos e tantos outros pontos de fundamentação que não estavam na sua peça original, certamente é porque sua convicção não estava tão segura”, disse. Com a fase de debate encerrada na madrugada deste sábado, a comissão se reunirá novamente na segunda-feira, às 11h, para votar o relatório. Está previsto espaço para que os líderes exponham a posição de cada partido antes e que a Advocacia-Geral da União (AGU) faça nova apresentação para ampliar a defesa de Dilma além das pedaladas e decretos.