Os empresários dos ramos de alimentação e hospedagem convivem com a possibilidade constante de figurarem como réus em ações trabalhistas provenientes da não regulamentação de uma prática tradicional de suas respectivas atividades: a gorjeta.
Isso porque não existe lei que defina qual deva ser o procedimento dos estabelecimentos na participação, recebimento e distribuição dos valores arrecadados por seus funcionários a título dos famosos “10%”. É importante ressaltar que estamos falando de uma atividade que emprega mais de 6 milhões de pessoas e que responde por 2,7% do PIB brasileiro.
Os sindicatos, por meio de Convenções Coletivas de Trabalho, orientam como deve ser o procedimento a ser seguido pelos seus integrantes. Contudo, observamos que o Judiciário não reconhece o rito sugerido por estas entidades. É comum constatar, em pesquisas junto aos tribunais, um percentual altíssimo de êxito aos empregados que pleiteiam a integração das gorjetas recebidas em seus vencimentos para reflexo nas demais verbas trabalhistas, mesmo tendo o empresário seguido à risca o que determina a CCT.
Um empregado com a função de garçom, a depender do tamanho do estabelecimento, pode obter quantias vultosas nestes casos. São vários os casos em que estas condenações chegam a R$ 20 mil ou R$ 30 mil e é comum, inclusive, o fechamento destes empreendimentos após uma condenação desse tamanho.
A Justiça Trabalhista recorre ao art. 457 das Convenções Coletivas de Trabalho e à Súmula 354 do Tribunal Superior do Trabalho para decidir sobre o tema. Segundo estas normas, a remuneração do empregado compreende o salário pago diretamente e também as gorjetas que receber. Portanto, sobre tais gorjetas devem incidir os recolhimentos previdenciários, férias e 13º salário. Diante deste quadro, é clara a necessidade de realizar um planejamento detalhado para que o uso da gorjeta não inviabilize a própria atividade do empreendedor.
De outro lado, estão os garçons. Também por falta da citada regulamentação eles sofrem com patrões que não repassam as gorjetas de forma correta ou até estabelecem rateios em formatos que prejudicam seus respectivos vencimentos. Em muito dos casos, apenas com o acesso ao Judiciário é possível resolver o impasse.
Projetos de lei
Tanto a classe dos empregadores, quanto a classe dos empregados vem, ao longo do tempo, se organizando e debatendo ideias para levar ao Congresso Nacional. O resultado é a tramitação de inúmeros projetos de leis que visam regulamentar o procedimento a ser seguido pelos estabelecimentos destes mercados. É preciso destacar alguns.
O primeiro deles é o Projeto de Lei n? 7.037/2010, de autoria do deputado Íris Simões (PTB-PR), que propõe a distribuição do adicional de 10% sobre a conta devida pelo cliente como objeto de rateio entre garçons que trabalharem em um mesmo turno, além deste valor não poder constituir base de cálculo para contribuição de qualquer espécie.
Já o Projeto de Lei n? 7.658/2010, de autoria do deputado Celso Russomano (PP-SP), propõe que o pagamento das gorjetas seja realizado diretamente aos trabalhadores, inclusive na hipótese de pagamento por meios eletrônicos (apenas descontadas as taxas administrativas pagas pelos empregadores). Além disso, propõe que haja multa administrativa graduada aos empregadores que desrespeitarem a lei.
Mais recentes, foram propostos os Projetos de Lei n? 4.892/2012 e 2.851/2015. O primeiro, de autoria do deputado Walter Ihoshi (PSD-SP), regulamenta a gorjeta e altera a CLT e a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, sobre a organização da Seguridade Social, para adaptá-las aos termos do projeto. Já o segundo, de autoria do deputado Augusto Carvalho (SD-DF), faculta a cobrança da gorjeta, permite o rateio mediante acordo coletivo ou CCT e o adicional não servirá de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.
Há ainda, proposto originalmente pelo senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), o Projeto de Lei n? 7.443/2010 –o mais polêmico e com tramitação avançada. Ele apensou os outros quatro citados acima e propõe que a retenção da gorjeta destinada aos funcionários por parte dos empregadores configura crime de apropriação indébita.
O parecer do relator, deputado Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ), de 23/11/2015, é pela aprovação de todos os Projetos de Lei acima citados e está aguardando apreciação da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP).
Por fim, existe o PLC 57/2010, de autoria do deputado Gilmar Machado (PT-MG). Diante dos últimos andamentos de sua tramitação, há a expectativa de que finalmente será regulamentado o presente imbróglio. Atualmente, o projeto está em tramitação na CAS (Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal), sob a relatoria do senador Paulo Paim (PT-RS). Caso seja aprovado sem emendas, seguirá para sanção presidencial.
Em suma, ele possui os seguintes pontos principais: Estabelece a natureza salarial das gorjetas; a) Estabelece destinação integral aos trabalhadores e permite que o rateio seja feito mediante o estabelecido em acordo, convenção coletiva de trabalho ou assembleia geral do sindicato laboral; b) Determina o lançamento na nota fiscal do valor cobrado a título de gorjeta autoriza o desconto de até 20% por parte do empregador para cobrir os encargos sociais e previdenciários dos empregados; c) Determina a constituição de comissão de empregados para acompanhamento e fiscalização da regularidade da cobrança e distribuição da gorjeta e d) Fixação do percentual de até 20% para as empresas inscritas Supersimples, transferindo à negociação coletiva sindical, por meio da vontade empresarial e laboral manifestada nas suas respectivas assembleias, a possibilidade de majoração, até o limite de 33% para as empresas que não gozam de regime de tributação federal diferenciado.
Durante toda a tramitação dos projetos estão sendo realizados amplos debates onde os representantes dos segmentos diretamente envolvidos tentam chegar a um possível acordo. Independentemente de qual seja o resultado das proposições, é inegável que o Poder Público precisa regulamentar o quanto antes esta prática tão comum nas atividades de restaurantes e hospedagens. Enquanto não houver aprovação de uma lei específica, fica nítido que os Tribunais continuarão a decidir pela integração da gorjeta à remuneração do empregado, especialmente pela falta de sistematização das empresas quanto a esta cobrança.
O fato de não haver regulamentação da prática das gorjetas prejudica muito o desenvolvimento das atividades empresariais, inibindo possíveis investimentos, geração de empregos e renda. Enquanto a aguardada regulamentação não ocorre, cabem às partes se protegerem da melhor forma possível para a continuidade de suas atividades.
Marcel Ribeiro Tarquínio Daltro é advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e sócio do escritório Nelson Wilians & Advogados Associados