Após meses negando publicamente a possibilidade de renunciar ao mandato de presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) anunciou justamente o oposto na tarde desta quinta-feira. Surpresa? Nem tanto.
O anúncio já era esperado entre parlamentares e cientistas políticos. Para muitos, indicaria uma última cartada para tentar evitar a cassação de seu mandato – a eleição de um aliado de Cunha como novo presidente da Casa poderia interferir diretamente na decisão da Comissão de Constituição e Justiça, que decidirá se o processo contra ele regredirá ou irá a plenário.
Para outros, entretanto, a renúncia apenas revelaria o alto grau de desgaste do parlamentar– citado em diversas delações na operação Lava Jato e réu em duas ações abertas pelo STF (Supremo Tribunal Federal), o peemedebista é acusado de ter mentido aos colegas sobre ter contas na Suíça, o que ele nega.
Diante da situação praticamente insustentável, a renúncia poderia ser uma escolha que evitaria o “constrangimento” de ser afastado por colegas parlamentares que fizeram parte do “baixo clero” apoiador de Cunha – caso da deputada Tia Eron (PRB-BA), aliada política que teria cedido à pressão popular e acabou votando pelo afastamento do parlamentar no Conselho de Ética da Casa.
Para Michel Temer, segundo analistas políticos ouvidos pela BBC Brasil, o afastamento é positivo, já que a pressão popular contra Cunha e sua insistência em sem manter na presidência da Câmara representariam uma pedra no sapato do presidente interino às vésperas da decisão final do processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Por outro lado, caso a Comissão de Constituição e Justiça decida anular a votação na qual o Conselho de Ética recomendou cassar o mandato de Cunha, o que faria o processo recuar, Temer também poderia cair em maus lençóis – sendo visto como parte de um eventual “acordão” para salvar o aliado.
Consenso entre analistas e parlamentares é o favoritismo de Rogério Rosso (PSD-DF) na disputa para assumir o comando da Câmara.
Rosso foi o presidente da comissão que avaliou o impeachment de Dilma na Câmara e tem boa relação com Temer, com a maioria dos deputados e… com ele mesmo, Eduardo Cunha.
Maranhão também cai
Tido como braço direito de Eduardo Cunha na mesa diretora da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), que assumiu a presidência interina da Casa, vinha sendo classificado como “fraco” e “despreparado” pela maioria de seus colegas.
Inicialmente próxima, a relação entre Cunha e Maranhão azedou desde o afastamento.
“Resolvi ceder aos apelos generalizados dos meus apoiadores. É público e notório que a Casa está acéfala, fruto de uma interinidade bizarra que não condiz com o que país espera de um novo tempo após o afastamento da presidente da República. Somente minha renúncia poderá pôr fim a esta instabilidade sem prazo. A Câmara não suportará esperar indefinidamente”, disse Cunha em seu discurso de despedida, referindo-se ao ex-colega.
O sociólogo e professor da USP Wagner Iglesias lembra que Maranhão se tornou alvo de assédio de opositores de Cunha no momento em que assumiu o comando da Casa.
“Ele caminhou para se afastar de Cunha assim que assumiu. Pessoas como Silvio Costa (PTdoB-PE), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), entre outros deputados que apoiam o PT, passaram a ser vistos com ele e a defendê-lo nas sessões”, disse à BBC Brasil.
“Entendo que Maranhão se aproximou deles como tentativa de se desvincular de Cunha quando a situação do peemedebista se tornou insustentável”, prossegue o sociólogo.
Já o cientista social José Alvaro Moisés, professor de ciência política da USP, destaca a falta de habilidade de Maranhão à frente da Câmara.
“Ele era um personagem secundário que foi usado por Cunha o tempo todo, inclusive como vice-presidente da Casa. Não é uma pessoa preparada, e por consequência fez uma condução absolutamente desastrosa.”
“Isso revela outra questão”, continua o professor. “Há uma crise de liderança extremamente profunda na politica brasileira e no Parlamento. Uma incapacidade de encontrar personalidades com perspectiva de boa condução.”
Futuro de Cunha
“Cunha está morto politicamente, cada vez mais isolado de seus apoiadores tradicionais e agora deve se concentrar em sua defesa – e também de sua filha e sua mulher – para tentar se inocentar. Este é o cenário mais provável”, prevê o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio.
Para o professor, mesmo que a renúncia se prove uma manobra para tentar se manter como deputado, a permanência de Cunha na Câmara é “muito difícil”.
“Esta conta cairia no colo de Temer. Cunha e aliados podem até estar tentando uma salvação, mas é difícil prosperar porque seria um enorme desgaste para o presidente interino. Ele não poderia assumir salvar Cunha. Seria um tiro no pé às vésperas do impeachment”, avalia.
“Mas não dá para garantir. A gente sabe, em política tudo pode acontecer”, ressalva Ismael.
José Álvaro Moisés, da USP, concorda. “Cunha, durante muito tempo, sustentou de maneira muito firme que não renunciaria. Evidentemente, mesmo que planejado, isto é um recuo. Ele tenta jogar a culpa em Waldir Maranhão, mas na verdade está mostrando que perdeu o poder.”
O sociólogo Wagner Iglesias diz que a renúncia é “uma clara derrota”, mas lembra que o futuro de Cunha está incerto.
“A renúncia parece ser o primeiro de vários pontos negativos que podem aparecer nas próximas semanas. Mas Cunha já manobrou e manobra muito. Seu futuro ainda é incerto”, diz.
‘Promoção’ graças ao impeachment
Os três cientistas políticos citam o deputado Rogério Rosso como sucessor mais provável. Para todos eles, a atuação do parlamentar do PSD à frente da Comissão do Impeachmentna Câmara lhe rendeu boa reputação entre os colegas.
“Rosso é neste momento o favorito. É evidente que haverá outros candidatos, mas ele sai na frente pela própria atuação na comissão, tida como ponderada. Aparentemente, é uma figura que não tem nada contra si em tempos em que a maioria dos políticos é citada na Lava Jato”, pondera Ricardo Ismael.
Para o professor da USP José Moisés, a proximidade entre Cunha e Rosso durante o processo de impeachment não significa um comprometimento entre ambos neste momento.
“Ele tem voo próprio, ganhou relevância e independência pela forma que conduziu o impeachment”, avalia.
Opositor ferrenho do PT e de Dilma Rousseff, Rosso também conta com a simpatia de Michel Temer, segundo os entrevistados.
“É conciliador e ganhou popularidade pela atuação no impeachment. Faz todo sentido para Temer ter alguém assim a seu lado”, disse um deles.