Placar aponta ligeira maioria de deputados favoráveis à saída de Dilma, ao mesmo tempo em que Planalto está fragilizado por causa de protestos e revelação de grampos, que aumentam risco de debandada de aliados.
O cronômetro da comissão do impeachment começou a contar nesta sexta-feira (18/03), em um dia da semana normalmente esvaziado em Brasília. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), manobrou para que a Casa tivesse um quórum mínimo e garantisse que o dia entrasse na contabilidade de sessões.
Com isso, o deputado deixou claro qual deve ser a estratégia adotada: acelerar os trabalhos ao máximo para aproveitar o atual período de desgaste do governo, que sofreu um terremoto nesta semana com a divulgação das escutas telefônicas de Lula.
Foi a primeira vez em seis meses que a Câmara registrou quórum mínimo em uma sexta-feira. E não é apenas essa medida que deve dificultar os esforços para salvar Dilma Rousseff. No momento, o quadro de membros da comissão indicados por 24 partidos aponta que já existe uma ligeira maioria favorável ao avanço do processo.
No papel, o governo conta teoricamente com uma maioria, já que a comissão é formada majoritariamente por partidos da base aliada. Na prática, a relação de indicados pelas siglas está repleta de dissidentes. O PMDB, por exemplo, que tem oito membros na comissão, indicou três deputados que são abertamente contra o governo. O mesmo se repete em siglas como o PP,PSD e PTB.
Levantamentos entre membros da comissão realizados pela imprensa brasileira apontam que pelo menos 31 ou 32 deputados são favoráveis ao impeachment, enquanto 27 ou 28 são contra. Há outros cinco com posição indefinida.
Mesa
O governo também ficou em uma aparente desvantagem na escolha do presidente e do relator da comissão, os deputados Rogério Rosso (PSD-DF) e Jovair Arantes (PTB-GO), que apesar de transitarem entre a oposição e o governo, são bastante próximos de Eduardo Cunha, um inimigo declarado do Planalto.
No restante da mesa, o cenário também não é favorável, e o governo não conta com nenhum aliado sólido. O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) assumiu a primeira vice-presidência, Maurício Quintela (PR-AL), a segunda, e Fernando Filho (PSB-PE), a terceira. Destes, apenas Quintela está sendo contabilizado como um voto contra o impeachment, mas a posição do seupartido é considerada volúvel.
Tempo
Na questão dos prazos, as manobras de Cunha de forçar sessões em dias atípicos, como segunda e sexta-feira, podem reduzir o prazo para a conclusão dos trabalhos para até 30 dias. Sem esse tipo de manobra, a comissão poderia estender os trabalhos em mais duas semanas.
No início de dezembro, quando Cunha finalmente aceitou o pedido de impeachment, o deputado manobrou para que o processo ainda demorasse a andar, contrariando o Planalto, que desejava ver o assunto resolvido o mais rapidamente possível.
À época, analistas ouvidos pela DW afirmaram que Cunha e a oposição apostavam que a esperada deterioração da economia possibilitaria um cenário mais favorável a partir de março e abril. A expectativa se revelou acertada, e a situação do governo agora é considerada mais fraca do que nunca. O presidente da Câmara já poderia ter ordenado a formação da comissão após o fim do recesso, em 2 de fevereiro, mas ainda escolheu esperar.
Agora, o ritmo foi invertido, e os trabalhos vão ser acelerados no momento em que os protestos contra o governo ameaçam se tornar diários, e a cartada de convocar Lula para recompor a base aliada do Planalto no Congresso sofreu um revés com a revelação das escutas.
Protestos
No período de trabalho da comissão, outros fatores também devem influenciar a posição dos deputados. No caso do PMDB, os trabalhos vão coincidir com o fim do prazo certado na convenção do partido para que o sigla decida se deve deixar ou não o governo.
O risco de uma debandada geral na base ganhou um pouco de força com o anúncio da saída do PRB, que tem 21 deputados na Câmara e dois indicados na comissão. Na primeira reunião da comissão, apenas PT, PCdoB e PDT se manifestaram abertamente contra o impeachment. Outros partidos aliados adotaram um discurso neutro.
A comissão vai analisar inicialmente o pedido de impeachment que acusa o governo Dilma de cometer as chamadas “pedaladas fiscais”, mas é esperado que os deputados discutam se existe uma base para incluir a delação do senador Delcídio Amaral (ex-PT), o que poderia jogar mais pressão no Planalto.
A comissão também deve servir de palco para que deputados opositores e dissidentes da base aliada usem o microfone para promover o impeachment, alimentando pelas próximas semanas o noticiário com discussões sobre o processo. Alguns partidos menores, como PSC, escalaram deputados barulhentos para a comissão, como Eduardo Bolsonaro (RJ) — filho de Jair Bolsonaro — e o pastor Marco Feliciano (SP).
Apesar das desvantagens, o governo pelo menos conta agora com um rito processual mais favorável do que aquele desenhado por Cunha no início de dezembro. O roteiro de Cunha, que previa a formação de uma comissão com uma chapa avulsa dominada por adversários do governo e cujo relatório só precisava de maioria simples para ser aprovado em Plenário, foi rejeitado pelo Supremo, que restabeleceu condições mais equilibradas.
No entanto, mesmo deputados alinhados com o governo concordam que o desenho favorável decidido pelo STF foi colocado em prática em um mau momento para outro governo. Em 1992, a comissão que analisou o pedido de impeachment contra Fernando Collor também começou os seus trabalhos quando os protestos já estavam tomando conta do país, o que acabou pressionando os deputados. Nesta sexta-feira, o recém-empossado Rogério Rosso já admitiu que a definição dos votos da comissão não deverá apenas levar em conta a questão jurídica, mas também o “aspecto político e das ruas”.
Embora o parecer da comissão possa dar força para o processo de impeachment, a batalha para valer vai ocorrer no plenário da Câmara. Mesmo que a comissão chegue à conclusão de que não há elementos para prosseguir com o processo, o relatório será submetido ao plenário, que pode aprovar ou rejeitar as conclusões com uma maioria qualificada de 342 deputados. Caso o plenário rejeite um relatório favorável ao governo, o processo será remetido ao Senado, que vai decidir pelo afastamento temporário de Dilma até o seu julgamento na Casa. Para barrar o processo ainda na Câmara, o governo precisa contar com pelo menos 171 votos.