Em troca de apoio em uma Câmara fragmentada, o governo Temer se abre aos deputados e aceita até um líder que não queria. Mas a estratégia é incerta numa Câmara conflagrada por disputas internas
Talita Fernandes e Ana Clara Cesta
Suplente de deputado e terceiro escalão no governo, Chiquinho Escórcio andava na semana passada pelo salão do 4ª andar do Palácio do Planalto, onde ficam a Casa Civil e a Secretaria de Governa Convidava quem encontrava pelo caminho: “Venham ver, venham ver”, dizia, com a familiaridade de quem estava em casa. Apontava para as poltronas desenhadas por Sérgio Rodrigues e Oscar Niemeyer espalhadas pelo salão. “Estão vendo? Está tudo vazio” dizia. Em seguida, foi a uma sala a poucos metros dali, mais exclusiva e próxima de gabinetes, onde estavam acomodados parlamentares do baixo clero que aguardavam ser recebidos pelos ministros – e até avistar o presidente interino Michel Temer. Com uma biografia parlamentar de faz-tudo do ex- presidente José Sarney, Chiquinho entrou, cumprimentou a todos e disparou: “Todos estão bem acomodados em frente à sala do ministro da Secretaria de Governo, esperando para ser atendidos. Sabe quando isso aconteceria no governo passado? Nunca! Cansei de ficar aqui às traças, esquecido nos sofás do salão, esperando por uma audiência”.
A percepção de Escórcio é compartilhada por qualquer parlamentar que visitou o Planalto nos últimos dias. Eles se sentem em casa. O resultado é que aumentou velozmente o consumo de café e tapioca de queijo coalho (herança da gestão do petista Jaques Wagner) no 4° andar desde o dia em que o PMDB desembarcou ali. O Palácio também virou parada de ministros que chegam sem sequer pedir audiência, coisa impensável nos cinco anos de inquilinato de Dilma Rousseff. Simplesmente, aparecem para falar com o presidente interino ou com os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo).
O alto fluxo é temporário, sintoma de um balcão aberto em busca da consolidação de uma maioria parlamentar. Cargos ainda estão sendo distribuídos, num misto de fisiologismo e afobação típicos do PMDB – e, assim que o varejo terminar, a expectativa é que as visitas diminuam. “A estratégia é deixar o Palácio aberto para mostrar transparência”, diz um ministro. “Parlamentares têm de saber que esse ambiente não será restrito a apenas um grupo. Todos poderão vir e serão recebidos.” Com uma situação econômica para lá de adversa, protestos aqui e ali e sem o impulso dado pelas urnas, o governo Temer quer agradar a um Congresso fortalecido depois do impeachment.
A orientação de tratar bem os parlamentares foi dada por Temer e segue uma tradição estabelecida desde os tempos em que ele presidia a Câmara dos Deputados. As escolhas feitas até aqui, tanto na composição ministerial quanto no modo de dialogar comparlamentares, mostram que o presidente interino está claramente preocupado em garantir maioria no Congresso. Além de precisar de um grande número de apoiadores para aprovar as medidas de ajuste econômico, Temer ainda precisa manter os votos no Senado para o julgamento definitivo do processo de impeachment de Dilma. Temer ocupou a articulação política no início do segundo mandato de Dilma e sabe muito bem o que a falta de apoio no Congresso pode lhe provocar.
A política de portas abertas, no entanto, não garante o apoio que Temer tanto deseja e necessita. A Câmara vive um momento de pulverização, com o poder dividido entre duas dúzias de partidos (leia o quadro na página 64). O apoio deles ao governo seguirá as conhecidas regras do fisiologismo, da troca de votos por cargos ou benefícios; não há garantia alguma que os deputados votarão com o governo por afinidade a qualquer tema. Mais grave para Temer, a Câmara não está mais sob o controle de Eduardo Cunha, afastado da presidência pelo Supremo. Se era um incômodo por sua extensa ficha de investigado pela Lava Jato e especialista em manobras de abuso de poder para se manter no cargo, Cunha exercia uma liderança inequívoca – e extremamente útil para o governo – sobre essa massa de deputados de baixo dera Sem ele, o governo Temer terá de se esforçar em negociações mais complicadas, com prazo curto para obter sucesso. O único ponto em comum dessas bancadas hoje é que não querem Waldir Maranhão como presidente da Casa. Maranhão resiste a sair. Na semana passada, novamente, ele não conseguiu presidir uma simples sessão. Teve de se esconder em seu gabinete. Para entender o tamanho da encrenca, basta imaginar Maranhão conduzindo a sessão de votação de uma matéria delicada, como a reforma da Previdência.
Na semana passada, em seu primeiro teste neste Congresso conflagrado, o governo Temer andou com cuidado, recuou e teve de engolir uma meia derrota. Como qualquer governo, o de Temer tencionava escolher o deputado que exerceria a delicada função de seu líder na Câmara. Mas uma turma de quase 300 deputados, integrantes de tuna fatia chamada de “Centrão”, impôs o nome de André Moura, do PSC de Sergipe. A disputa pelo cargo se deu em uma queda de braço entre Moura e Rodrigo Maia, do DEM do Rio de Janeiro, mais palatável ao Planalto. Venceu quem tinha mais votos e, claro, liderança sobre a massa. Apesar de Maia ter sido sondado pelo ministro Geddel Vieira Lima há algumas semanas, líderes dos 12 partidos do “bloco do Centrão” levaram ao Palácio uma lista com 291 assinaturas que apoiavam Moura para o cargo. Moura é da bancada evangélica e aliado de primeira ordem de Eduardo Cunha. Os dois respondem juntos a investigações no Supremo Tribunal Federal (STF) ligadas aos desvios da Petrobras. Além disso, sozinho, Moura tem uma ficha de dar meda É réu em três ações penais no Supremo por acusação de desvio de dinheiro público quando prefeito e ainda responde a uma acusação por tentativa de homicídio. A equipe de Temer chegou a sondar um terceiro nome, que sairia de uma lista deparlamentares bem-aceitos por seus pares, como Rogério Rosso, do PSD, e Jovair Arantes, do PTB. Nada feito. Assim, a equipe de Temer preferiu não contrariar a maioria e aceitou Moura.
Moura é um híbrido, que transita e fala a língua do baixo clero, aqueles deputados de menor projeção, e das cúpulas partidárias. Ao ser questionados sobre como é ser representado por um deputado com uma ficha tão suja, os ministros de Temer valem-se da máxima de que alguém que ainda não foi condenado tem o direito à livre e ampla defesa e pode exercer seumandato (é sempre bom lembrar que sete ministros de Temer são investigados pela Lava Jato).
O episódio que marcou a escolha de Moura para a liderança deixou a primeira sequela entre as siglas que, em bloco, apoiaram o impeachment Em tempos normais, Moura não teria força para almejar o cargo, visto que pertence ao pequeno PSC, controlado pelo bispo Everaldo Pereira. Em 2014,sob a coordenação de Eduardo Cunha, partidos pequenos como o PSC se uniram a PSDB, DEM, PPS e parte do PMDB e formaram o Blocão, que passou a infernizar o governo Dilma. Na semana passada, a cisão dessa turma ficou clara. PSDB, DEM e PPS, contemplados com maior espaço no ministério de Temer, queriam emplacar Rodrigo Maia como líder. Descontentes com a aquiescência do Planalto após a imposição de André Moura, os três partidos, mais o PSB, formaram um bloco paralelo. Aguardam agora os próximos passos do governo para saber como vão se manifestar. Por enquanto, esse “bloquinho”, quando comparado ao peso ponderado do “Centrão”, observará de lado por falta de poder de reação.
Na semana passada, o governo eclético formado por tantos partidos mostrou dificuldades.Tesoureiro do PP, o ministro da Saúde, Ricardo Barros (PR), declarou que o tamanho do Sistema Único de Saúde (SUS) precisava ser revisto, por dificuldades financeiras. Teve de recuar, poucas horas depois. O mesmo acontecera um dia antes com seu colegada Justiça, Alexandre de Moraes, que disse não achar necessário escolher o primeiro colocado da lista tríplice apresentada pelo Ministério Público para a indicação do procurador-geral da República. A declaração pegou mal, em um momento em que a Operação Lava Jato é admirada – e o ministro foi desautorizado pelo presidente interino. Além de algumas manifestações favoráveis à afastada Dilma Rousseff, o Palácio do Planalto teve dificuldade para encontrar um nome disposto a assumir a Secretaria da Cultura, subordinada ao Ministério da Educação (leia o artigo na página 50). Pelo menos cinco mulheres rejeitaram a indicação para assumir a secretaria até que o governo se deparou com o nome de Marcelo Calero, que é secretário de Cultura no Rio de Janeiro. O presidente do Senado, Renan Calheiros, também entrou na discussão sobre a Cultura. Ele sugeriu ao presidente interino que recuasse da fusão do Ministério da Cultura. Temer não cedeu. “Esse é o Renan, com a imagem arranhada devido aos processos que correm no Supremo, aproveitando o timing para resgatar alguma popularidade”, diz um ministro.
Após pouco mais de uma semana no cargo, Temer disse a aliados que se sentia no poder há quatro meses. Na sexta-feira, dia 20, a equipe econômica de Temer anunciou o tamanho do rombo fiscal. Foi uma espécie de ofensiva, pois Temer considera que é preciso “explicar ao país” o tamanho do problema herdado da gestão Dilma. Temer acredita que está sendo cobrado por resultados antes mesmo de ter assumido. Pelo que se viu, o desafio de superar os esqueletos econômicos e lidar com o Congresso será imenso.
Michel Temer – O presidente interino
Sob as ordens de Temer, o governo abriu as portas para os parlamentares. Como nunca aconteceu no governo Dilma, deputados lotaram os salões do Palácio do Planalto. O objetivo é cativar uma Câmara com poder pulverizado e conflagrada por disputas internas
Rodrigo Maia – O prefeito do “bloquinho”
Era o candidato preferido de PSDB, DEM e PPS para o cargo de líder. Perdeu porque ospartidos menores, do chamado “Centrão”. bancaram André Moura. O bloco que apoiava Rodrigo tem ministérios e vai se estranhar com a outra turma
André Moura – O escolhido pelo “Centrão”
Acusado de envolvimento no petrolão de desvio de recursos públicos e até suspeito de tentativa de assassinato. Moura foi escolhido por quase 300 deputados. Aliado de Eduardo Cunha, Moura circula bem entre o baixo clero e as cúpulas dos partidos.