Teatro da Política
Ao contrário do que diz a presidente Dilma Rousseff, o processo para seu afastamento tem base jurídica. A decisão final será do Congresso
Desde o início da ameaça de impeachment, aliados armaram para a presidente Dilma Rousseff dois eventos no Palácio do Planalto, nos quais um time de juristas simpáticos ao governo foi a Brasília fazer críticas à legalidade do processo (leia mais a partir da página 32). No encontro da semana passada, Dilma aproveitou para fazer seu mais incisivo discurso de defesa. Em um ato extremo de fragilidade, Dilma pronunciou um “não renuncio”, recorreu à versão de ser vítima de golpe e criticou o impeachment “O impeachment só pode se dar por crime de responsabilidade claramente demonstrado. Na ausência de crime de responsabilidade comprovado, com provas inquestionáveis, o afastamento torna-se,ele próprio, um crime contra a democracia. E, repito, este é o caso do processo de impeachment em curso contra meu mandato, devido à ausência de base legal. Não cometi nenhum crime previsto na Constituição e nas leis para justificar a interrupção de meu mandato.”
Discursos políticos servem para mobilizar apoios, como é o caso de Dilma. O conteúdo não precisa estar muito calcado na realidade – como é também o caso da fala de Dilma Há, sim, uma acusação bem fundamentada de crime de responsabilidade, e o Congresso decidirá, de acordo com a Constituição, se se trata de uma razão suficiente para tirar a presidente do cargo. No começo de dezembro de 2015, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro, admitiu o pedido de abertura do processo de impeachment,elaborado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr. Em 22 páginas, o parecer argumenta que Dilma violou a Lei de Responsabilidade Fiscal ao praticar as “pedaladas” e cometeu, assim, crime de responsabilidade. Depois de o Supremo Tribunal Federal dirimir a celeuma jurídica sobre o rito que o processo deveria prosseguir, no dia 17 de março a comissão especial de impeachment, formada por 65 deputados, começou a trabalhar.
A argumentação das pedaladas fiscais é a que prevalece no pedido que tramita hoje no Congresso. O mecanismo das pedaladas é conhecido: sem dinheiro em caixa, o Tesouro Nacional atrasava o repasse a bancos estatais e privados para pagamentos de despesas e programas. Assim, o governo driblava a Lei de Responsabilidade Fiscal. O Tribunal de Contas da União condenou a prática, que represou R$ 40 bilhões só em 2014. Um crime cometido no mandato anterior não pode ser usado como razão para o impeachment Por isso, os autores do pedido incluíram indícios de que as pedaladas prosseguiram em 2015, mostrando decretos presidenciais que aumentavam o crédito em R$ 18,5 bilhões. Os decretos foram editados em descumprimento à Lei Orçamentária, sem a aprovação do Congresso. O TCU abriu, em outubro, um processo para investigar se as pedaladas realmente prosseguiram, a partir de tuna representação do Ministério Público que diz que, até junho de 2015, as manobras já somavam R$ 40 bilhões. Esse é o motivo que se enquadra na Lei do Impeachment, de 1950, que prevê a perda de mandato em casos de crime comum, como homicídio ou roubo, ou um crime de responsabilidade.
Na semana passada, por orientação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o primeiro-secretário da Casa, Beto Mansur, mandou anexar ao processo o conteúdo da delação premiada do senador Delcídio do Amaral na Lava lato. Delcídio afirma que Dilma nomeou o desembargador Marcelo Navarro ministro do Superior Tribunal de Justiça com o compromisso de que ele votaria pela libertação de empreiteiros como Marcelo Odebrecht, presos pela Operação Lava Jato. O presidente da comissão do impeachment, deputado Rogério Rosso,do PSD do Distrito Federal, optou por não incluir essa denúncia no processa “No relatório não deve constar menção a este ou quaisquer outros documentos novos encaminhados”, diz Rossa Com essa decisão, também se impede a inclusão das conversas telefônicas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma interceptadas na Lava Jato. Por elas, surge a suspeita de que Dilma tentou obstruir a Lava Jato, ao livrar Lula das decisões do juiz Sérgio Moro com um cargo que lhe garante o foro no Supremo Tribunal Federal. A oposição concordou: a inclusão de novos objetos daria ao governo argumentos para barrar o processo. Além disso, Dilma teria de ser notificada novamente do processo e o prazo para defesa se estenderia.