No dia seguinte à derrota, no plenário da Câmara dos Deputados, da emenda que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), articulou com líderes favoráveis à tese a votação de nova versão do projeto, restringindo o alcance da medida. A manobra regimental de Cunha provocou uma troca de acusações com o governo e deputados contrários à proposta. Cunha foi acusado de burlar as normas da Câmara e insistir numa votação por não aceitar a derrota. Um grupo suprapartidário já planejava recorrer ao Judiciário.
– Não vamos aceitar. Iremos não só denunciar, mas, se preciso for, recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) – disse Weverton Rocha (PDT-MA), integrante desse grupo, antes da votação da emenda.
Num dos momentos mais tensos, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), contrário à redução da maioridade, irritou-se quando o presidente da Câmara ficou de costas para ele.
– Vossa Excelência pode decidir não ouvir, pode decidir virar de costas para mim. Pode decidir conversar com qualquer colega parlamentar que preste a esse papel. Mas o problema é que Vossa Excelência passa por cima da democracia, passa por cima da Constituição, passa por cima do regimento desta Casa até que vença posição de Vossa Excelência – afirmou Molon.
Na madrugada de quarta-feira, o relatório do deputado Laerte Bessa (PR-DF) foi derrotado em plenário porque só obteve 303 votos favoráveis, cinco a menos do que o quórum exigido para mudar a Constituição. Para tentar reverter votos e garantir a aprovação da redução da maioridade penal, líderes e deputados favoráveis à punição de jovens maiores de 16 anos apresentaram várias versões de emendas, com variações sobre os crimes que seriam abrangidos.
NOVA VERSÃO EXCLUI TRÁFICO DE DROGAS
A primeira emenda apresentada previa a punição para crimes hediondos; delitos cometidos com grave ameaça, violência e homicídios dolosos. Essa versão retirava a punição para os crimes de tráfico de drogas e roubo, como previsto na PEC derrotada na noite anterior.
Para reduzir resistências, a proposta, defendida pelos líderes Rogério Rosso (PSD-DF) e André Moura (PSC-SE), foi desidratada. Foram retirados os “crimes cometidos com violência ou grave ameaça” e os casos de lesão corporal grave. O texto posto finalmente em discussão se resumiu à punição para maiores de 16 anos nos casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.
– A cada emenda nova, um voto a mais – comentou o líder do DEM, Mendonça Filho (PE).
A retirada do texto do crime de lesão corporal grave, por exemplo, foi defendida pelo deputado Mandetta (DEM-MS), um dos dois deputados da legenda que votou contra a redução da maioridade derrotada na véspera. Os líderes também cobraram a presença de deputados ausentes na votação em que a primeira PEC foi derrotada. Leonardo Picciani (PMDB-RJ) contabilizava três votos a favor de deputados que estavam viajando e chegaram ontem. Também anunciava a mudança de voto de Lindomar Garçon (PMDB-RO), que se absteve.
Irritados com a manobra, deputados contrários à redução da maioridade protestaram e criticaram o fato de Cunha recorrer a uma outra emenda para tentar aprová-la em plenário. Enquanto governistas conversavam com os deputados para evitar a mudança de voto, outros parlamentares criticavam Cunha na tribuna e obstruíam a votação com manobras regimentais.
– Presidente, Vossa Excelência é o presidente desta Casa. Sua tarefa é conduzir a sessão e garantir o bom andamento do debate e não conduzir a sessão para que Vossa Excelência seja sempre o vencedor. Se esse plenário fosse o Brasileirão, o presidente Eduardo Cunha certamente seria o Fluminense: não aceita perder nunca e, quando perde, vai para o tapetão, muda a regra para subir na Justiça – resumiu Paulo Pimenta (PT-RS), causando risos no plenário.
Ontem, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, voltou a se mobilizar contra a redução da maioridade penal. Criticou o teor da nova emenda apresentada e disse que, ao contrário do que anunciaram os líderes que a apresentaram, a emenda não exclui o tráfico de drogas porque esse crime é equiparado ao hediondo.
– No texto se omite o tráfico, mas, como o tráfico é tido como crime equiparado ao hediondo, na melhor das hipóteses haverá discussão se entra ou não – disse Cardozo.
Ele criticou a iniciativa de se tentar aprovar um texto com um número menor de crimes, mantendo-se a redução da maioridade penal:
– Respeito a posição do presidente da Câmara, e ele tem o direito de colocar em votação outra proposta. Mas votar o projeto original é um desastre ainda maior que a PEC derrotada. Um texto com previsão de apenas alguns crimes, semelhante à PEC de ontem (anteontem), ainda será um desastre. É como a história do navio que está indo a pique e que vão morrer pessoas, se vão morrer mais ou menos pessoas sempre será um desastre – disse o ministro.
LÍDER DO PMDB CRITICA MINISTRO DA JUSTIÇA
Líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), reagiu:
– O ministro se notabilizou ontem por buscar distorcer a realidade. Não tem primado por falar a realidade dos fatos.
Mais cedo, Eduardo Cunha também acusou Cardozo de espalhar mentiras sobre a emenda da redução da maioridade que foi derrotada. A tese do ministro, de que o crime de tráfico de drogas será mantido, foi reforçada por outros deputados contrários à redução da maioridade.
A Lei dos Crimes Hediondos lista delitos definidos como tais, não citando expressamente o tráfico. Mas diz que os crimes hediondos, a tortura, o tráfico e o terrorismo são insuscetíveis de alguns benefícios, como a anistia e a fiança. Isso igualaria o tráfico e os outros dois delitos aos crimes hediondos, na visão desses parlamentares, como Margarida Salomão (PT-MG).