Desgastado pelo caso Geddel, Temer sinaliza vetar anistia ao caixa 2, em busca de agenda positiva
Catarina Alencastro, Jailton de Carvalho, Simone Iglesias, Júnia Gama e Renata Mariz
-Brasília- O ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, pediu demissão ontem, mas o presidente Michel Temer ainda não conseguiu encerrar a crise provocada pela denúncia do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero. A acusação de tentativa de interferência no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para liberar a construção de um prédio de luxo em Salvador, que recaía sobre Geddel, agora respinga no próprio presidente e também no ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. Para tentar conter a crise, Temer tentará criar uma agenda positiva e, para isso, já antecipa que vetará qualquer proposta que vier a ser aprovada no Congresso de anistia ao caixa dois e outros crimes eleitorais.
Segundo o líder do PSD, deputado Rogério Rosso (DF), em reunião ontem, em São Paulo, Temer afirmou que não permitirá qualquer anistia num recuo em relação ao que havia sinalizado a parlamentares menos de 24 horas antes. Segundo deputados, Temer vinha dizendo que sancionaria integralmente o texto aprovado pelo Congresso, com ou sem anistia. Em vídeo divulgado nas redes sociais, Rosso diz que Temer o autorizou a anunciar “à sociedade” que vai barrar a proposta, caso o Congresso inclua o perdão a crimes eleitorais cometidos por políticos.
“Caso o Congresso Nacional venha a aprovar qualquer tipo de anistia, não só ao caixa dois, mas qualquer a outro crime, o presidente Temer vetará imediatamente” disse Rosso.
Na esfera das investigações, a Procuradoria-Geral da República vai chamar Padilha para dar explicações sobre a suposta participação dele na manobra para pressionar Calero a liberar a obra do Edifício La Vue, em Salvador, onde Geddel tinha comprado um apartamento. A partir daí, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deverá decidir se pede no Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de inquérito contra Padilha. Janot também deverá analisar se há indícios suficientes para estender a Temer um eventual pedido de investigação.
Em depoimento à Polícia Federal, Calero acusou Temer, Padilha e Geddel de pressioná-lo a contrariar parecer técnico do Iphan e autorizar a retomada das obras do La Vue, ou a transferir a decisão sobre a questão do patrimônio histórico para a Advocacia-Geral da União (AGU).
Janot só deve deliberar sobre o assunto em duas semanas, quando retornar de viagem à China. Depois da divulgação do conteúdo do depoimento de Calero, Geddel deixou o governo. Mas sua renúncia não foi suficiente para baixar a temperatura da crise política.
Segundo depoimento que Calero deu à PF, Geddel teria exigido, em tom agressivo, que o então colega de governo atropelasse a lei para beneficiá-lo. Depois do episódio, o presidente da República entrou em cena. Temer e Calero tiveram duas conversas sobre a liberação do La Vue. Numa delas, no Palácio do Planalto, Temer teria dito, segundo Calero, que a decisão do Iphan de embargar as obras do La Vue estava criando “dificuldades operacionais” no gabinete dele. Disse, ainda, que Geddel estava irritado. E que o processo sobre o La Vue deveria ser mandado para a AGU, onde a ministra Grace Mendonça já tinha “uma solução” para o caso.
Num outro momento, Padilha também reforçou a ordem para Calero deixar a decisão com a AGU. Irritado com a pressão e com receio de ser, no futuro, envolvido em eventual investigação sobre corrupção e tráfico de influência, Calero pediu demissão e denunciou o caso à PF. A AGU diz que não teve participação no caso. O único parecer emitido foi favorável à interdição da obra, o que contrariou os interesses de Geddel.
No governo, há a certeza de que Temer foi gravado por Calero, o que é visto com tranquilidade porque a divulgação da conversa seria boa para o presidente, pois o conteúdo dos diálogos entre Temer e Calero “foi republicano”
Ontem, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que a conversa de Temer com Calero foi “absolutamente normal”:
– Basta ler o depoimento (de Calero) que está na internet para ver que o presidente simplesmente indicou ao ministro Calero que, se achasse que fosse o caso, consultasse a AGU. O próprio ministro não consultou. Entendeu por bem não consultar e ele mesmo decidir. Esse é o papel constitucional da AGU, quando consultada por ministros. Nem houve a consulta, o que demonstra que foi uma conversa absolutamente normal.
Em, nota, Calero negou que tenha marcado um segundo encontro com Temer, na última quinta-feira, com a intenção de gravar a conversa. Mas não ficou claro se ele acabou gravando ou não. No Palácio do Planalto, porém, assessores do presidente Temer avaliam que a crise provocada por Geddel não se esgotou com a saída do ministro. Como o presidente foi envolvido no episódio, agora é preciso aguardar as manifestações da PF, do Ministério Público e do Supremo.
Geddel possivelmente será alvo de inquérito e, por consequência, Temer terá de lidar com um desgaste político com o qual não contava neste fim de ano, quando pretende aprovar a PEC do teto de gastos no Senado e enviar a reforma da Previdência ao Congresso. Para um assessor do presidente, toda a energia do governo se concentrará em tentar dissipar a crise para, só depois, tocar as agendas do país.
– A crise continua. Vamos esperar a divulgação dessas gravações e a manifestação dos órgãos federais de investigação. A agenda do governo agora é solucionar a crise, não tem outra.
Um assessor disse que o caso Geddel irritou muito o presidente. O ministro só resolveu se demitir quando descobriu-se que Calero também acusava Temer de pressioná-lo. A carta de demissão, enviada a Temer por e-mail, diz:
“Avolumaram-se as críticas sobre mim. Em Salvador, vejo o sofrimento dos meus familiares. Quem me conhece sabe ser esse o limite da dor que suporto. É hora de sair. Diante da dimensão das interpretações dadas, peço desculpas aos que estão sendo por elas alcançados, mas o Brasil é maior do que tudo isso”. Ele ainda chama Temer de “fraterno e querido” amigo.