O Globo Online | Economia: Cardozo diz à comissão de impeachment que denúncia contra Dilma é nula e fere Constituição

Por Maria Carolina Marcello

BRASÍLIA (Reuters) – O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, pediu nesta segunda-feira ao apresentar a defesa da presidente Dilma Rousseff na comissão do impeachment na Câmara que a denúncia que embasa o pedido seja considerada nula por ferir a Constituição.

Cardozo, que falou por cerca de duas horas, disse que a defesa de Dilma é “demolidora dos argumentos da denúncia”, negou que as supostas irregularidades nas contas apontadas pela acusação representam crime de responsabilidade e disse que, em um regime presidencialista como o brasileiro, não se pode destituir um presidente por questões políticas.

Segundo Cardozo, por inexistir crime de responsabilidade configurado, por inexistir ato ilícito atribuível à presidente da República, por não existir ato doloso em nenhuma das suas situações, o processo de impeachment equivaleria a “rasgar a Constituição Federal de 1988 se fosse acolhido”.

“Seria um golpe. Um golpe, não porque o impeachment não está previsto na Constituição, porque está, mas um golpe porque este impeachment, com base nestes fatos, golpeia a Constituição, atinge a institucionalidade e afronta o princípio básico do estado de Direito.”

Cardozo disse aos membros da comissão que o processo está “viciado” pelo que chamou de “desvio de poder” que, na sua avaliação, foi praticado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ao aceitar o pedido de abertura de impeachment.

O ministro afirmou que Cunha aceitou o pedido de impeachment “por vingança, por retaliação” pelo fato de deputados do PT, partido de Dilma, decidirem votar favoravelmente à abertura de um processo que pede sua cassação por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da Câmara.

“O ato de abertura de processo de impeachment é viciado, portanto é nulo”, disse Cardozo aos parlamentares.

Cardozo criticou o fato de as informações sobre a delação premiada do senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS) no âmbito da Lava Jato terem sido juntadas ao pedido de impeachment com autorização de Cunha e viu neste ato do presidente da Câmara um “desvio de poder em continuidade”.

O ministro também criticou a decisão da comissão especial de ouvir, na semana passada, os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal, que assinam a denúncia contra Dilma ao lado do também jurista Hélio Bicudo, para esclarecer pontos da denúncia.

Para Cardozo, essa decisão implica em nulidade do processo, pois não cabe esclarecimento à denúncia, pois ela deve ser clara, e a audiência com os juristas serviu para que eles tratassem de vários temas que não as supostas irregularidades nas contas apontadas pela peça acusatória.

“Os subscritores da denúncia vieram aqui e falaram sobre tudo de tudo, que inclusive não estava no processo. Isso é absolutamente intolerável do ponto de vista processual”, disse Cardozo a jornalistas após apresentar a defesa à comissão. O advogado-geral disse ainda que os pontos levantados por ele na defesa “serão objeto de eventual discussão judicial”.

Logo após a fala de Cardozo, o presidente da comissão do impeachment, deputado Rogério Rosso (PSD-DF), rebateu Cardozo e defendeu os trabalhos do colegiado, afirmando que eles se basearam na Constituição, no rito de impeachment estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e na legislação que trata do impeachment.

“Se esta comissão não tiver oportunidade de esclarecimento da denúncia, aí sim poderíamos estar cometendo equivoco”, disse Rosso, acrescentando que à comissão especial cabe apenas decidir pela admissibilidade da denúncia, não analisar o mérito, que cabe ao Senado.

“BASTANTE FRACA”

Ao tratar do mérito da denúncia contra a presidente, Cardozo classificou a peça de “bastante fraca” e “passível de sofrer rejeição por inépcia”.

O ministro afirmou também que se recusava a tratar na comissão de quaisquer assuntos que não sejam as chamadas “pedaladas fiscais” ou os decretos de créditos suplementares, citados na denúncia, por entender que a análise da comissão deve se restringir aos temas que constam na peça.

Cardozo negou que as chamadas “pedaladas fiscais”, o atraso no repasse pelo Tesouro a bancos públicos para o pagamento de programas do governo, não representam operação de crédito e, portanto, não são irregulares. Disse também que os decretos editados para a obtenção de crédito suplementar sem autorização do Congresso também foram regulares, pois não implicaram em aumento de gastos.

O ministro argumentou que o Tribunal de Contas da União (TCU) só passou a considerar essas práticas irregulares no ano passado e que não se pode aplicar a Dilma uma “punição retroativa” por atos praticados antes de o TCU mudar sua jurisprudência.

“A partir do momento em que o TCU mudou seu entendimento, o Executivo não editou mais decretos”, garantiu.

O advogado-geral também argumentou que, ainda que esses atos fossem irregulares, um crime de responsabilidade só se configura em caso de dolo de um presidente, o que ele negou apontando que as “pedaladas” e a edição de decretos foram feitos por Dilma com base em estudos técnicos de funcionários de carreira do governo, baseados na jurisprudência vigentes à época.

Após a apresentação da defesa de Dilma, o relator do pedido de impeachment contra Dilma, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), deverá concluir seu parecer sobre a abertura de processo de impedimento.

O relator disse que pretende apresentar o parecer aos demais membros da comissão especial até quinta-feira.

Para que um processo de impeachment seja aberto, ele precisa ser aprovado pelos votos de 342 deputados no plenário da Câmara e, depois, por maioria simples no Senado. Se o processo for instaurado, Dilma será imediatamente afastado do cargo por 180 dias até que o Senado a julgue.

(Reportagem adicional de Eduardo Simões)

Assuntos:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *