Outra medida prevista é a proibição do uso de gordura trans na composição de alimentos
RIO – O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou esta semana o Projeto de Lei 8194/14, do Senado, que obriga os fabricantes a informar, nos rótulos dos alimentos, a presença de lactose e caseína (proteína encontrada no leite). A matéria, no entanto, retorna ao Senado devido a mudanças aprovadas pelos deputados. Inicialmente aprovado no Senado em 2014, de autoria do Senador Paulo Bauer, o documento se limitava a estabelecer que os rótulos de alimentos destacassem a presença de lactose, “conforme as disposições do regulamento”.
Agora, foi aprovado um substitutivo da Comissão de Defesa do Consumidor, elaborado pelo deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que acrescentou ao texto original a necessidade de informação sobre a caseína, que é um elemento alergênico. Alimentos com o teor original de lactose ou caseína alterados também deverão conter nos rótulos a informação sobre a quantidade remanescente, conforme regulamento.
O deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), autor de uma das propostas que contribuiu para o texto final, afirmou que, assim como já existe uma legislação para produtos que contêm glúten, deve haver um aviso para caseína e lactose, até porque muitos medicamentos usam a lactose como diluente.
“Às vezes, as pessoas estão ingerindo algum tipo de bebida ou medicamento ou alimentos industrializados que contêm a substância e não sabem disso”, disse.
A advogada Cecilia Cury, doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP e uma das coordenadoras da campanha “Põe no Rótulo”, lembra que ignorou-se que, em meados de 2015, houve a aprovação pela Anvisa de norma específica para a rotulagem de alergênicos, a RDC nº 26/2015, que regulamenta a rotulagem de alergênicos em alimentos e que já atende, em grande parte, o objetivo da Câmara dos Deputados de garantir a saúde e segurança daqueles que não podem consumir o leite e seus derivados (e já trata, portanto, da caseína, que é uma das proteínas do leite):
– Este tipo de debate deve acontecer sob a batuta da Anvisa, órgão que tem capacidade técnica e competência para tratar de aspectos mais técnicos da rotulagem, tanto no sentido constitucional, quanto no que se refere à qualidade da produção normativa.
Também advogada e coordenadora da campanha, Fernanda Mainier Hack alerta:
– Acreditamos que o Senado levará em consideração que a rotulagem de alergênicos já foi discutida na Anvisa com a aprovação da RDC 26/2015, que será obrigatória a partir de julho, com efeitos positivos já são visíveis. O projeto não pode ignorar o assunto já regulamentado pela agência, através de amplo debate com todos os setores da sociedade.
A campanha “Põe no Rótulo”, movimento criado em fevereiro de 2014, na internet, por um grupo de famílias de alérgicos, que tinham um objetivo em comum: abrir os olhos da população não-alérgica para a necessidade da rotulagem destacada dos principais alimentos alergênicos, como leite, soja, ovo, trigo, peixe, crustáceos, amendoim, oleaginosas.
O deputado Ságuas Moraes (PT-MT), que é pediatra, disse que a intolerância à lactose e à caseína tem se desenvolvido mesmo em crianças e que a informação no rótulo é de extrema importância.
Falando pelo governo, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) apoiou a proposta, apesar de frisar que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já tem regras para isso, afirmando que vai dar mais segurança jurídica para as informações.
Gordura trans
O substitutivo aprovado proíbe o uso de gordura vegetal hidrogenada, também conhecido por gordura trans, na composição de alimentos destinados a consumo humano, produzidos e/ou comercializados no Brasil, ainda que importados.
Essa proibição não alcança alimentos de origem animal que contenham gordura trans, contanto que elas não tenham sido adicionadas artificialmente.
As empresas envolvidas na produção, comercialização e importação terão de se adequar às novas regras até 1º de janeiro de 2019. A lei entrará em vigor 180 dias depois de sua publicação.
O deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA) lembrou que a gordura hidrogenada trans já está proibida em muitos países. Já o deputado Marcondes Gadelha (PSC-PB) afirmou que a proibição das gorduras vegetais hidrogenadas é uma “radicalização desnecessária”.
“É prejudicial a toda a cadeia produtiva, do setor industrial ao setor agrícola, sem nenhuma base científica”, disse.
De acordo com a nutricionista e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Paula Bortoletto, “não restam dúvidas sobre os efeitos negativos dessa substância para a saúde e que as medidas adotadas até o momento são falhas e insuficientes”.
No dia 28 de março, o Idec apresentou posicionamento a favor da proibição do uso de gordura trans artificial em alimentos no Brasil durante audiência pública da Anvisa. As colocações foram baseadas em uma pesquisa online sobre o tema que o Instituto realizou entre os dias 3 e 23 do mesmo mês. O levantamento inédito contabilizou 1.624 participações e evidencia que 95% é a favor da proibição do uso dessa substância.
De acordo com o estudo do Instituto, 97,3% das pessoas sabem que consumo de gordura trans faz mal à saúde e aumenta o risco de doenças cardiovasculares. Mas, 89% acredita consumir gordura trans sem perceber, principalmente em restaurantes e outros estabelecimentos comerciais.
Desde 2003, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a redução do consumo até o limite de 2 gramas/dia. Porém, a falta de padronização e a ausência de ações regulatórias ainda prejudicam o consumidor.
“A declaração na tabela nutricional, por exemplo, permite que o fabricante informe zero, mesmo que o teor seja igual ou menor que 0,2 gramas na porção declarada”, explica Ana Paula.
Portanto, diz a nutricionista, não significa que a gordura trans não esteja presente no alimento.
Após a audiência, a Anvisa abriu um formulário online para ouvir a opinião da sociedade sobre o tema até o dia 11 de abril.
As gorduras trans são produzidas a partir de óleos vegetais aos quais a indústria acrescenta moléculas de hidrogênio para mudar suas propriedades, fazendo com que as gorduras permaneçam sólidas à temperatura ambiente para os produtos durarem mais tempo nas prateleiras.
Presente principalmente em margarinas, sorvetes, chocolates, biscoitos, bolachas, snacks convencionais e bolinhos recheados industrializados, a gordura trans foi condenada, desde 1960, por estudos que indicavam prejuízos à saúde. Entretanto, apenas nas últimas décadas a indústria tem buscado alternativas a ela.
Entre os malefícios associados à gordura trans estão o aumento do colesterol “ruim” (LDL) no sangue, a diminuição do colesterol “bom” (HDL), o aumento dos triglicérides do sangue e o aumento de gordura localizada.
O Globo