Ao defender ajuste fiscal, ministro cita início do governo Lula como exemplo
Martha Beck, Bárbara Nascimento e Eliane Oliveira economia@oglobo.com.br
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, fez uma defesa enfática da CPMF, ontem, em audiência na Câmara dos Deputados. Ele disse que o tributo é a saída menos onerosa para equilibrar as contas públicas no ano que vem e, diante da resistência dos parlamentares à volta do imposto, afirmou que programas como o seguro-desemprego e abono salarial ficarão em risco. Ao defender o ajuste fiscal, o ministro acabou respondendo às críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a atual política econômica. Levy citou justamente o aperto fiscal do primeiro ano do governo, em 2003, como exemplo de política bem-sucedida. Os parlamentares criticaram o governo pela tentativa de ressuscitar a CPMF.
– Vou lhe falar como amigo. Esqueça a CPMF. Você sabe, qualquer um nessa casa sabe, a CPMF não vai ser aprovada – disse o líder do Solidariedade, Arthur Maia (BA).
Levy insistiu e respondeu ao deputado:
– Se a gente não tiver a CPMF, programas importantes, como seguro-desemprego e abono salarial, ficarão em risco.
A proposta de recriar a CPMF foi bombardeada pela maioria dos parlamentares presentes na audiência pública. Alguns deles seguraram placas com a frase “Xô CPMF” Levy manteve-se firme na defesa do tributo:
– A CPMF não onera demais as empresas e merece ser analisada sem paixões. Outras alternativas não serão mais eficientes sobre o ponto de vista da economia. Se o Orçamento de 2016 não for robusto, vamos ter problemas.
LEVY: REBAIXAMENTO PÕE EMPREGOS EM RISCO
Ao defender as medidas fiscais, o ministro respondeu indiretamente ao ex-presidente Lula, que, no dia anterior, no congresso nacional da CUT, afirmara que não se pode apenas ficar falando em cortes. Levy lembrou que o próprio Lula já adotou uma estratégia semelhante à atual:
– Quando Lula assumiu, havia dúvidas com o compromisso fiscal do governo. Muita gente achava que o governo não ia ter firmeza para manter a evolução fiscal. No entanto, o presidente Lula conduziu esse momento de forma que rapidamente essas dúvidas se dissiparam. Na verdade, houve até uma decisão de se aumentar o superávit fiscal. O resultado disso: a inflação caiu e rapidamente a economia voltou ao crescimento.
O ministro também alertou para a possibilidade de o país sofrer um novo rebaixamento e perder o grau de investimento de outras agências de classificação de risco. Isso, segundo ele, teria efeitos negativos para o emprego e para a qualidade de vida das famílias.
Ao final, parlamentares avaliaram o discurso do ministro como insosso e repetitivo. Eles reclamaram do fato de ele não responder a várias das perguntas, escapando pela tangente com o mesmo discurso já proferido outras vezes. O líder do PSOL, Chico Alencar (RJ), definiu as quatro horas de perguntas e respostas como “mais do mesmo”:
– A apresentação foi insossa. Ele é disco de uma música só. Não respondeu a questionamentos sobre vários assuntos. Se você tem insônia, grava a fala do Levy que você dorme.
Autor do requerimento que convidou Levy à Casa, Rogério Rosso (PSD/DF) também reclamou das respostas repetitivas:
– Ele está com uma resposta no automático e isso nos preocupa.
Para alguns deputados da base governista, no entanto, o ministro conseguiu transmitir a mensagem de que sem o ajuste não será possível fazer a economia voltar a crescer.
– O ministro está dentro daquilo que a conjuntura permite que ele se exponha. Estamos falando de um momento de ajuste fiscal; da demanda de criação de impostos, que é a CPMF – avaliou o líder do PT na Câmara, Sibá Machado (PI).
Os parlamentares criticaram o fato de o governo propor a CPMF e não optar por uma taxação de grandes fortunas ou mesmo um aumento da tributação dos bancos.
– Quero saber quando é que os banqueiros vão fazer sacrifício no país. Quero saber quando as grandes fortunas vão pagar o preço nesse país. Quero saber quando essas pessoas vão fazer o sacrifício que o povo já está fazendo há tanto tempo – questionou o deputado Moroni Torgan (DEM-CE).
O ministro rebateu dizendo que o governo está se concentrando, primeiro, em taxar as fortunas que estão no exterior por meio do projeto de repatriação de recursos que foram enviados sem aviso à Receita Federal.
– No momento, estamos concentrados em fazer passar o imposto sobre grandes fortunas no exterior, onde elas estão – disse Levy.
DEPUTADO: ‘CRIAR IMPOSTOS É ENGANAR SOCIEDADE’
No momento de maior tensão, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) ficou irritado ao ver que o ministro não prestava atenção em sua fala porque estava sendo cumprimentado pela deputada Clarissa Garotinho (PR-RJ), antiga aliada e hoje desafeto declarado de Maia. O deputado elevou o tom e disse a Levy que merecia mais respeito. Maia afirmou ainda que se não tivesse cooperado com o governo em algumas votações, já teriam “caído” Levy e o vice-presidente, Michel Temer (PMDB):
– Iam cair o senhor e o Michel Temer. Garantimos 15 dos 25 votos (na votação do ajuste fiscal). Por isso o senhor devia me olhar nos olhos.
O deputado disse ainda que, antes de propor medidas como a retomada da CPMF, o governo precisa apresentar reformas estruturantes:
– Criar impostos antes de reformas estruturantes é enganar a sociedade. O governo tem que enviar uma reforma da Previdência logo para o Congresso. O governo dobrou despesas sociais de 2011 a 2014. Mas se fez isso para reeleger a presidente, ele tem que ter coragem de cortar na came agora e não taxar mais os brasileiros.