Animais que serviram para transporte e carga são trocados por motocicletas e abandonados em estradas colocando em risco motoristas e motociclistas: projeto propõe utilização da carne – Michel Filho/22-03-2013 / Agência O Globo
RIO — Deputados Federais e instituições civis discutiram, nesta terça-feira na Câmara, uma sugestão de solução para o excesso de jumentos nas estradas do Rio Grande do Norte: o consumo da carne de jumento. Abandonados nas zonas rurais do estado, os animais poderiam ser incluídos no cardápio das refeições dos presídios e das escolas do estado. A polêmica proposta motivou o ativista Kléber Jacinto, da ONG-DNA — Defesa da Natureza e dos Animais —, a organizar um abaixo-assinado contra a ideia do abate. O documento já obteve mais de 70 mil assinaturas.
Se antes os asnos serviam para levar cargas pesadas de um local para o outro, agora são apenas obstáculos para meios de transporte modernos, e causam acidentes nas estradas. Só em 2013, a Polícia Rodoviária Federal do estado aprendeu 1.357 animais de grande porte e, neste ano, o número passa de 600.
Em março deste ano, o promotor de justiça Sílvio Brito realizou dois almoços com vários pratos que levavam carne de jumento entre os ingredientes. A intenção era romper a barreira cultural que dificulta o uso culinário da carne do animal.
— Não existe nenhuma barreira legal que proíba o consumo de carne de jumento, o que existe é uma barreira cultural. Temos um animal que é considerado uma praga, que está completamente abandonado. O que queremos é devolver uma finalidade a ele, mostrando para as pessoas que não existe nenhum impedimento sanitário para o consumo — argumenta Sílvio Brito, que diz ter sido avisado da audiência somente na última sexta-feira (27/06) e, por isso, não poderá comparecer.
O promotor explica que, apesar de acreditar na solução de abate dos animais, a ideia de utilizar a carne nos serviços públicos já é ultrapassada:
— Essa questão de incluir nos sistemas públicos foi uma das possibilidades pensadas anteriormente, mas hoje é totalmente descartada. Se a carne de jumento viesse a ser inserida no mercado, teria um valor muito alto, economicamente inviável para estas instituições públicas — explica Brito.
ORGANIZAÇÕES AMBIENTAIS CRITICAM PROJETO
A iniciativa do promotor incomodou ambientalistas, advogados e políticos. Para a OAB do RN, que estará presente na audiência da capital federal, o problema mais grave é a forma como são realizados os abates. A presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RN, Marise Costa, defende a adoção dos animais para a prática de terapia ocupacional com crianças e adultos com problemas motores.
— A princípio somos contra a forma como está sendo feita o abate, que é muito cruel e constitui crime ambiental. Achamos importante promover um amplo debate sobre o assunto, já que uma cadeia produtiva deste tipo pode levar à extinção desta espécie de jumento nordestino, que tem um valor econômico e cultural para a população — defende Marise.
Sobre esse tema, um projeto do Deputado Federal Ricardo Izar (PSD-SP) prevê a proibição de abate de equinos, equídeos, mulas e jumentos em todo território nacional. O parlamentar critica a proposta de utilizar jumentos na alimentação.
— O que ele (o promotor) fez é completamente contra a Constituição, que diz que devemos proteger a fauna e flora do Brasil. Ele matou animais sem autorização da vigilância sanitária. Se o problema é populacional, deve ser resolvido com castração e outras políticas públicas adequadas. Queremos que este promotor seja levado a um Conselho de Ética do Ministério Público — argumenta o deputado, que é Presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Animais e estará presente na audiência em Brasília. Kleber Jacinto, da ONG-DNA, também é crítico da proposta:
— Vamos à audiência porque imaginamos que, com uma discussão mais ampla, fortaleceremos a possível aprovação deste projeto de lei mais específico. Nosso receio é que iniciativas como estas continuem surgindo e que outros estados possam aderir à ideia, fazendo com que soluções assim ganhem outras proporções e causando a morte também de gatos e cachorros abandonados.
Já a pesquisadora de produção animal da Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Patrícia de Oliveira Lima, explica que a resistência ao consumo é mesmo uma questão cultural e que não há nenhum fundamento científico para que a carne não seja comestível. Porém, a especialista alerta que ainda é necessário investigar a qualidade dos derivados destes animais abandonados, já que os mesmos não foram criados para o consumo e, por isso, precisariam passar por exames e avaliações.
— Na universidade temos uma proposta de estudo, com cinco professores envolvidos, e que aborda a questão sanitária e a possibilidade de consumo de produtos como o leite e a carne. Mas hoje ainda não temos nada de concreto. Esse projeto está em fase de avaliação do Banco do Nordeste, já que é de interesse científico, para descobrir se há viabilidade econômica. A gente sabe que com relação à qualidade não vai haver nada que desaprove, nem para a carne nem para o leite — completa Patrícia.
AUDIÊNCIA AMPLIOU DISCUSSÃO SOBRE O PROBLEMA
Na audiência em Brasília, duas deputadas da bancada do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT) e Sandra Rosado (PSB) se manifestaram contra os almoços com carne de jumento promovidos em março deste ano pelo promotor Sílvio Brito. Porém, foi a presença também de outros cinco deputados de outras regiões do país que deu maior peso à importância de se discutir a polêmica, já que o problema de abandono dos animais em estradas não se restringe ao estado dos potiguares. Estiveram presentes na audiência também os deputados Felipe Bornier (PSD-RJ), que presidiu a sessão, Ricardo Tripoli (PSDB-SP), Rebeca Garcia (PP-AM), Raiumundo Correia de Matos (PSDB-CE) e Ricardo Izar (PSD-SP).
— O resultado da audiência foi muito bom. O maior ganho que tivemos foi ter trazido o debate para nível nacional. Antes, parecia uma coisa boba, do interior do Nordeste, mas a questão não é tão regionalizada porque não se trata apenas de um problema de Apodi, ou do Rio Grande do Norte, é uma realidade cruel no Nordeste inteiro — disse Kléber Jacinto.
O principal pedido realizado durante a sessão foi para que se agilize o processo de tramitação do projeto de lei do Deputado Federal Ricardo Izar (PSD-SP) prevê a proibição de abate de equinos, equídeos, mulas e jumentos em todo território nacional. Além disto, um abaixo-assinado com mais de 70 mil assinaturas contra abates de animais abandonados será entregue ao promotor de justiça, idealizador da ideia do consumo da carne do animal. O governo do Rio Grande do Norte não esteve presente e enviou justificativas que foram lidas durante a sessão.