BRASÍLIA — Com o plenário lotado por parlamentares da bancada religiosa, a comissão de Direitos Humanos da Câmara ouviu nesta quarta-feira pessoas que se declaram ex-homossexuais. A audiência foi pedida pelo pastor Marco Feliciano (PSC-SP) e o objetivo é trazer de volta o debate sobre a resolução do Conselho Federal de Psicologia de 1999 que proíbe profissionais da área de oferecer tratamento para que as pessoas deixem de ser homossexuais, a chamada “cura gay”. Alguns dos convidados fizeram críticas e disseram sofrer preconceito do movimento LGBT.
A audiência foi conduzida pelo presidente da comissão, Paulo Pimenta (PT-RS), e ocorreu sem os tumultos que marcaram a discussão de temas polêmicos durante a gestão de Feliciano na comissão, em 2013. Em um dos raros momentos de embate, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) pediu que Pimenta abandonasse a presidência da sessão por ter votado contra a realização da audiência. O presidente da comissão rebateu as críticas e se manteve na função.
– Não sou parlamentar que tenha dificuldade para se relacionar com pessoas heterossexuais, homossexuais ou LGBT, de tratar com respeito, com apreço. Não vou tratar alguém de maneira inadequada por se declarar ex-gay. Não me julguem pelo que vocês eventualmente façam – disse Pimenta.
Em outro momento, o presidente da comissão e Feliciano chegaram a trocar ironias. O deputado do PSC questionou sobre uma intervenção feita por Pimenta, que lhe alertou apenas que o seu tempo estava acabando.
– O senhor pode falar o que quiser. Se quiser me achar bonito não tem problema – brincou Pimenta.
Feliciano riu e disse que o colega deveria “se comportar”. O pastor afirmou em sua fala que o objetivo de discutir a resolução do CFP é permitir que se dê tratamento a quem deseja deixar de ser homossexual.
– As pessoas não conseguem apoio técnico e por isso procuram apoio de outra forma ou na religião. A imprensa falou em cura, não existe cura porque não é doença. Vocês (da imprensa) são culpados de ter pessoas sofrendo só porque querem o direito de serem ouvidos, de serem tratadas e não conseguem – afirmou o deputado do PSC.
Para o deputado, a homossexualidade se tornou “um modismo”.
– Essa audiência traz fôlego aos pais que não sabem mais o que fazer quando a homossexualidade se tornou um modismo – ressaltou Feliciano.
PROJETO JÁ FOI DERRUBADO
Projeto que visava a derrubar a resolução foi derrotado em 2013 pelo plenário da Câmara, mas foi reapresentado. Autor da proposta, o deputado João Campos (PSDB-GO) afirma que a resolução ofende a Constituição por limitar a atuação profissional dos psicólogos. Diversos parlamentares da bancada evangélica reclamaram da ausência na audiência de parlamentares ligados ao movimento LGBT, em especial Érika Kokay (PT-DF) e Jean Wyllys (PSOL-RJ).
Um dos convidados da audiência, o pastor Claudemiro Soares Ferreira destacou ter sofrido perseguição de um livro de sua autoria no qual contesta que existam pessoas que nasçam homossexuais. Claudemiro afirmou que há uma perseguição a pessoas como ele porque questionam a “ideologia LGBT”.
– Como ex-gay, somos a antítese da ideologia LGBT, assim como os judeus são da ideologia ariana. Assim como o judeu mutila e fere de morte o nazismo, nós ferimos os LGBT – disse Claudemiro.
Também pastor, Joide Pinto Miranda, que já foi travesti e hoje é casado com uma mulher e tem filhos, relatou ter sofrido abusos sexuais e que isso o teriam levado a ter relações homossexuais.
– Ninguém nasce homossexual, é uma conduta aprendida e pode ser desaprendida. Se quer continuar, é um problema seu – afirmou Miranda.
Arlei Lopes Batista, que também é pastor, faz parte de um grupo de apoio de ex-homossexuais e afirmou que mesmo dentro das igrejas as vezes há preconceito com pessoas que tiveram relacionamentos com pessoas do mesmo sexo.
– A Igreja, às vezes, é preconceituosa sim. Eu me escondi debaixo dessa igreja por medo muitas vezes – afirmou.
A psicóloga Marisa Lobo afirmou que há uma discriminação contra ex-homossexuais. Afirmou que há uma direcionamento no debate sobre direitos humanos em privilegiar “minorias” em detrimento de “maiorias”. Ela já foi alvo de censura pública pelo CFP com base na resolução.
– Direitos humanos não pode ser usado como bandeira ideológica das minorias contra as maiorias, direitos humanos são para todos – afirmou Marisa.
OMS: HOMOSSEXUALISMO NÃO É ‘DOENÇA’
O vice-presidente do CFP, Rogério de Oliveira Silva, afirmou que a resolução do Conselho, de 1999, tem como base decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 1992 que decidiu que o homossexualismo não é “doença, nem distúrbio, nem perversão”.
– Não cabe ao psicólogo fazer tratamento de algo que não é considerado doença – resumiu o representante do CFP.
O deputado Adelmo Carneiro Leão (PT-MG) foi o único parlamentar a questionar durante o debate as afirmações dos ex-homossexuais presentes. Ele afirmou que o testemunho deles não pode servir para dizer que todos os casos de homossexuais decorrem de abuso e podem ser revertidos.
– Dizer que ninguém nasce homossexual não é verdade absoluta. Ninguém pode dizer também que não é vontade de Deus. Entre os 7 bilhões de habitantes no mundo não temos dois iguais. Não podemos ousar aqui dizer que o testemunho de vocês tem que ser o paradigma para dizer como tem de ser. Cada um é uma verdade – afirmou Leão.
– O preconceito tem de ser combatido. Dizer que homossexual é um doente é uma atitude preconceituosa – complementou o deputado do PT.
Na parte final da audiência, o deputado Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ) afirmou que diante dos depoimentos os ex-homossexuais deveriam receber auxílio do estado e anunciou que apresentará projeto para conceder auxílio financeiro a eles.
– Em homenagem a vocês vou protocolizar projeto de bolsa ex-gay – disse o parlamentar do PSD.