Nem mesmo as dimensões continentais do Brasil e a abundância de terras tem evitado os conflitos pela sua posse, seja por índios, quilombolas, sem terras e produtores rurais, que não reivindicam um hectare a mais sequer, mas sim segurança jurídica para continuarem produzindo cerca de 25% do PIB.
A questão fundiária no país está pegando fogo, sobretudo no que diz respeito à demarcação de terras indígenas pela tentativa por parte de ONGs, ambientalistas e de antropólogos da Funai de avançar sobre parcela de 27% do nosso território em que se assenta uma das mais modernas e sofisticadas agriculturas do mundo.
Neste debate há equívocos, distorções, viés ideológico e até mentiras propagadas pelas redes sociais por quem vê a produção agrícola como ameaça ao meio ambiente e a sobrevivência da população indígena. Não há como alegar que os índios brasileiros foram relegados à própria sorte porque o Estado brasileiro lhes garantiu reservas que hoje ocupam cerca de 13% de nosso território.
Sem contar a tentativa deliberada de setores que execram o agronegócio de espalhar inverdades sobre o posicionamento da bancada ruralista e dos produtores rurais em relação à questão indígena. Isso ficou claro recentemente em uma orquestração pelas redes sociais contra o Projeto de Lei Complementar nº 227/12, de autoria do deputado federal Homero Pereira (PSD-MT), proposta que tive a honra de relatar na Comissão de Agricultura da Câmara.
O projeto regulamenta o parágrafo 6º do artigo 231, da Constituição Federal, ao definir “os bens de relevante interesse público da União para fins de demarcação de Terras Indígenas”. Não se está revogando o capítulo da Constituição, que trata da questão indígena, como maliciosamente propagam nossos detratores.
Para que não haja distorções, é preciso entender e interpretar o que diz o artigo 231 da constituição cidadã, que protegeu e assegurou os direitos da comunidade indígena: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” – atente-se que verbo está no presente – competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
E o que diz o parágrafo 6º: “São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, o 231, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar”.
Portanto, o que se pretende com a proposta de lei complementar é somente regulamentar o parágrafo 6º do referido artigo da Constituição e não revogar a disposição que trata da questão indígena. Quem usa esse argumento age com má fé e engana a população porque este é um tema frágil.
É evidente que o produtor rural quer proteger o meio ambiente e garantir a sobrevivência das populações indígenas, mas o que não pode se aceitar é o desrespeito à propriedade privada, o avanço sobre terras produtivas para satisfazer os interesses escusos de ambientalistas e antropólogos da Funai.
Quando da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, o ex-ministro Carlos Alberto Direito disse: “De fato, além da fixação no julgamento da Corte das chamadas salvaguardas institucionais, que instituem o regime jurídico das terras indígenas no país, também o Tribunal assentou, em definitivo, a teoria do fato indígena como aquela que perpassa todo o texto constitucional e que orientou os constituintes de 1987/1988”.
Meu entendimento sobre a questão se completa com outro argumento de Direito, que diz o seguinte: “Proponho por isso que se adote como critério constitucional não a teoria do indigenato, — que é aquela que vai lá atrás buscar a história, a fantasia, que é aquilo que os antropólogos querem — mas, sim, a teoria do fato indígena. — que é a data, a data de corte. A data de corte foi a promulgação da Constituição de 1988. A aferição do fato indígena em 5 de outubro de 1988 envolve uma escolha que prestigia a segurança jurídica e se esquiva das dificuldades práticas de uma investigação imemorial da ocupação indígena”.
Com isso fica claro que a regulamentação do parágrafo 6º do artigo 231 da Constituição estabelece o que é relevante para o país e o interesse público da União, assentado nas 10 condicionantes do Supremo Tribunal Federal que julgou a demarcação da Raposa Serra do Sol. Esse é um fato consumado e não temos o que discutir ou questionar. A aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 227 é a solução, em minha opinião, para resolver, pelo menos em parte, este drama que é a questão indígena no Brasil.
*Rubens Moreira Mendes é deputado federal pelo PSD-RO e ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).