O governo tem tratado com leniência e descaso a necessária e esperada mudança das regras para a demarcação de terras indígenas. As últimas promessas que sinalizam o compromisso com os produtores rurais ficaram apenas no discurso oficial, sem sair efetivamente do papel.
A impressão que fica é a de pressão exercida pelas mais de cem mil Ongs, a maioria estrangeira associadas à Fundação Nacional do Índio (Funai) e instituições como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Comissão Pastoral da Terra (CPT), que impede a tomada de decisão por parte do Executivo.
A demora vem causando apreensão principalmente nos pequenos produtores e a desconfiança de que o governo cede aos interesses dos países que concorrem com a agricultura brasileira, por esses serem os financiadores das Ongs que estão na linha de frente de “defesa” da causa indígena nacional.
Em maio, o Executivo se comprometeu em editar decreto retirando a exclusividade da Funai na demarcação – função que seria compartilhada com a Casa Civil, Ministério da Justiça e da Agricultura –, mas o que se assistiu foi o ingresso de pelo menos cinco novos processos pela fundação.
O não cumprimento do acordo e a constante protelação para mudar as regras de demarcação exige uma resposta do Legislativo, a aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 227/2012, de autoria do deputado federal Homero Pereira, proposta da qual foi o relator na Comissão de Agricultura da Câmara.
O projeto regulamenta o parágrafo 6º do artigo 231, da Constituição Federal, ao definir “os bens de relevante interesse público da União para fins de demarcação de Terras Indígenas”. É importante ressaltar aos críticos da proposta que não se quer revogar o capítulo da Constituição que trata da questão indígena, como maliciosamente e até mentirosamente propagam pelas redes sociais os “defensores da causa indígenas”.
Para que não haja distorções, é preciso entender e interpretar o que diz o artigo 231 da constituição, que protege e assegura os direitos da comunidade indígena: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
E o que diz o parágrafo 6º: “São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo”, o 231, “ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar”.
O que se pretende com a aprovação da proposta de lei complementar é somente regulamentar o parágrafo 6º do referido artigo da Constituição e não revogar a disposição que trata da questão indígena. Quem usa esse argumento age com má fé e engana a população porque este é um tema frágil.
Há de se reconhecer que a questão indígena tem amplo apelo e apoio social no Brasil. E isso é facilmente constatado porque no país as áreas indígenas hoje ocupam 13% do território – 109,6 milhões de hectares com pouco mais de 500 mil habitantes indígenas.
O significativo território indígena não tem impedido, porém, as invasões em propriedades produtivas. Só no primeiro semestre deste ano foram registradas 105 invasões em propriedades tituladas há pelo menos um século.
O avanço das demarcações vai comprometer o ritmo da produção agrícola nos próximos anos, especialmente da cadeia de pequenos produtores sob constante ameaça do direito a propriedade rural consagrado na Constituição Federal como cláusula pétrea (artigo 170, inciso II). Evitar o conflito no campo com a regulamentação da demarcação das terras indígenas é uma obrigação do Parlamento e um dever o Executivo.
*Moreira Mendes é deputado federal pelo PSD-RO e ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).