IG: Deputados tentam proibir uso de símbolos religiosos em protestos

Discutido em comissão, Estatuto da Liberdade Religiosa tem artigo que prevê punição a atos como o protagonizado por transexual em cruz na última Parada do Orgulho LGBT de SP

Deputados da base evangélica do Legislativo estão pressionando colegas da Câmara e do Senado Federal a darem apoio a um estatuto que passaria a proibir o uso de símbolos religiosos em protestos, como aquele protagonizado pela transexual Viviany Beleboni na 19ª edição paulistana da Parada do Orgulho LGBT, no início do mês passado.

O episódio, no qual a transexual encenou a crucificação de Jesus para atacar os preconceitos sofridos por homossexuais no País, repercutiu de tal maneira que parlamentares católicos e evangélicos chegaram a fazer protesto em pleno Parlamento para pedir que casos semelhantes fossem enquadrados como crime hediondo pelo código penal brasileiro.

“É um absurdo. Cenas como esta atingem diretamente a família brasileira”, criticou, na ocasião, o deputado Rogério Rosso (PSD-DF), que participou do ato organizado pela Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana e pela Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família no último dia 10 de junho. Rosso é um dos integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que analisa o texto de autoria de Leonardo Quintão (PMDB-MG).

De acordo com o artigo 44 do Estatuto Jurídico de Liberdade Religiosa (Projeto de Lei 1219/2015), “consideram-se atos discriminatórios e de intolerância contra a liberdade religiosa praticar qualquer tipo de ação violenta, seja esta real ou simbólica, que seja, assim, constrangedora, intimidatória ou vexatória baseada na religião ou crença da vítima”. A punição prevista é de multa de 20 salários mínimos (ou R$ 15.760) – 60 para reincidentes (R$ 47.280).

“Aquele ato da parada gay não pode, a meu juízo, ser criminalizado. Pode ser visto como de mau gosto, como excesso, mas não como crime ou contravenção”, critica ao iG o advogado Marcelo Figueiredo, presidente da Comissão de Direito Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Nossa legislação deve continuar assim como está, sem criminalizar nenhuma manifestação cultural ou religiosa, mesmo que aos olhos de terceiro pareça intolerância.”

A implantação do estatuto é justificada pelo autor do projeto como uma proteção à liberdade de religião, já prevista na Constituição Federal do País, promulgada em 1988. Segundo o parlamentar, o intuito é garantir “a dignidade da pessoa, patrimônio de cada indivíduo, do qual é possuidor desde o dia de seu nascimento”.

Criado por uma comissão da Associação Nacional de Juristas Evangélicos, “por ser uma entidade já experiente nesta luta”, como explica Quintão, o texto foi apresentado em meados de junho ao presidente do Senado, Renan Calheiros, ao líder da Câmara, Eduardo Cunha, e ao vice-presidente da República, Michel Temer. Todos, sem exceção, o receberam com promessas de apoio para aprová-lo com rapidez.

“Lutaremos para aprovar o Estatuto na Câmara e, logo em seguida, no Senado, no tempo mais breve possível, de acordo com a dinâmica e os procedimentos do Congresso Nacional”, afirma Quintão à reportagem. “O PL 1219/2005 não encontra barreiras do ponto de vista constitucional, legal, jurídico, regimental e de técnica legislativa, pois foi elaborado em conformidade com o ordenamento jurídico pátrio. Assim, vislumbramos que o Estatuto seja aprovado sem empecilhos na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados.”

“O mundo mudou”

Símbolo máximo da polêmica em torno do tema, Viviany Beloni não se conforma com a mobilização de deputados sobre o estatuto enquanto projetos de lei como o da homofobia acabaram engavetados por legisladores neste ano.

Após virar o centro das atenções na performance na cruz feita na última Parada do Orgulho LGBT, a jovem de 27 anos viu proliferarem ataques contra ela nas redes sociais – inclusive de deputados da base evangélica do Congresso – e, ao mesmo tempo, aumentarem as humilhações sofridas na rua.

Enumera, em tom indignado, as muitas amigas que perdeu nos últimos anos agredidas e assassinadas como consequência de suas opções sexuais. Diz não sair mais de casa sozinha desde que sua figura ganhou as primeiras páginas dos jornais, quando iniciou o processo de distorção de seu protesto, realizado em 7 de junho. Abriu uma série de ações judiciais contra pessoas que ridicularizaram a sua imagem nas redes sociais.

“Fui à Parada para representar justamente as dores de todas as travestis, transexuais, gays, simbolizando isso com a dor de Jesus Cristo, crucificado, flagelado, humilhado. Não rebolei, não desrespeitei ninguém. Pelo contrário, chorei, abracei a causa, fiquei lá, por cinco horas debaixo do sol mostrando essa dor”, lamenta Viviany.

“Se a proibição dos símbolos dos religiosos for aprovada, ainda mais antes da lei que criminaliza a homofobia, vai ser o fim do mundo, além da prova viva da panelinha que temos lá dentro do Congresso. Já cansei de sofrer agressão. Todo dia me chamam de traveco, de viado… Depois que repercutiu este protesto da Parada Gay me ligaram várias vezes me ameaçando, e continuam a fazer isso. Falam que sou uma puta, uma vadia, que tenho de trabalhar na rua e morrer de HIV.”

Ataque a minorias

Além do ponto que proibiria o uso de símbolos religiosos em atos como o protagonizado por Viviany, o que deve se estender para casos como charges e quadrinhos como os publicados pelo jornal satírico “Charlie Hebdo” – alvo de ataque terrorista no início do ano que deixou 12 mortos -, o estatuto também dá uma espécie de carta branca a lideranças religiosas para, embasadas em suas crenças, atacarem minorias.

De acordo com o parágrafo 2º do artigo 9 do texto, “não se considera crime, na forma de discurso de ódio, a divulgação, na esfera pública ou privada, de ideias de uma religião contrárias a um determinado comportamento social ou mesmo crença de um determinado grupo, religioso ou não, desde que feitas pacificamente, com urbanidade, tolerância e respeito aos direitos humanos fundamentais.” “É desnecessário e até um tanto perigoso dizer que as pessoas têm esse direito à critíca”, avalia o advogado especialista em Direito Constiucional Marcelo Figueiredo. “O pastor tem o direito de falar se aquilo está na Bíblia, inclusive o que o casamento é algo entre homem e mulher, que é o que a fé dele diz”, ameniza outro profissional especializado no tema, Dircêo Torrecillas Ramos. “Mas Direito é algo muito subjeivo. Caberá ao juiz, evitando quaisquer embasamentos em sua fé, avaliar caso a caso e definir quando houve exagero ou não.”

Autor da proposta, Quintão defende o texto e garante que a proteção dada à liberdade religiosa pelo estatuto “em nada se relaciona com a discriminação e preconceito que ocorrem contra os grupos sociais minoritários, como os homossexuais”. “A luta pela liberdade religiosa e a luta pelo fim da discriminação contra minorias não são excludentes ou antagônicas, como pode ser erroneamente interpretada por alguns”, afirma o deputado.

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