Vinte e sete anos após o fim da aliança homônima que deu um novo significado ao “é dando que se recebe” da oração de São Francisco de Assis, o “centrão” ressurge com força de pautar votações e rumos do governo Michel Temer, além de trabalhar para se consolidar no comando da Câmara dos Deputados.
Formado por PP, PR, PSD, PTB, PRB, SD, PTN e outras seis siglas menores, o grupo reúne 218 deputados e se consolidou sob a influência –ainda presente– do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Com poucas dissidências, é a força política mais importante da Casa e trabalha para comandá-la nos próximos anos. Mesmo após o afastamento de Cunha no dia 5 de maio pelo STF (Supremo Tribunal Federal), mostrou força em três ocasiões claras.
A primeira foi ao derrotar o DEM e emplacar o “cunhista” André Moura (PSC-SE) como líder do governo, embora o governo preferisse um nome que não trouxesse na testa uma ligação tão evidente com Cunha. Depois, obrigou o hesitante presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), a abrir mão de comandar as sessões plenárias, tarefa atualmente nas mãos de Giacobo (PR-PR).
O próprio Maranhão é de um partido do “centrão”, mas não é alinhado à sua ala majoritária nem a seus líderes.
Por fim, o grupo foi o principal condutor na Câmara e no Planalto da aprovação, apesar da resistência da área econômica de Temer, de um megapacote de reajuste do funcionalismo público.
Quatro nomes dessa aliança surgem com força para comandar a Câmara a partir de fevereiro de 2017 –data das próximas eleições para a cúpula da instituição–, e para indicar um presidente-tampão até lá caso haja necessidade de eleição antes disso.
O primeiro é Rogério Rosso, ex-governador tampão do Distrito Federal e líder do PSD de Gilberto Kassab. Ele presidiu a comissão que aprovou o parecer a favor ao impeachment de Dilma. Outro é Jovair Arantes (GO), líder da bancada do PTB e relator da comissão do impeachment. Ambos têm boa relação com Cunha.
Outros nomes são os de Aguinaldo Ribeiro (PB), líder do maior partido do centrão, o PP, e o próprio André Moura, que, apesar de ser do nanico PSC, aposta na influência de Cunha e na projeção como líder do governo Temer.
PERFIL
O “centrão” da época da Constituinte (1987 e 1988) era formado por parlamentaresconservadores do PMDB, PFL (hoje DEM), PTB e PDS (hoje PP), que somavam cerca de 280 cadeiras. Foi crucial para barrar iniciativas à esquerda e aprovar o mandato de cinco anos para o peemedebista José Sarney (1985-1990).
Desavenças eleitorais e outros fatores levaram ao fim da aliança após a promulgação da Constituição de 1988, entre eles a baixa popularidade do fim do governo Sarney e a péssima imagem do grupo –um de seus líderes, Roberto Cardoso Alves (1927-1996) celebrizou a releitura do “é dando que se recebe” ao falar sobre o apoio de deputados ao governo Sarney.
O “centrão” de agora também tem uma maioria de perfil conservador.
Com 42% do total de cadeiras da Câmara, controla 53% da bancada evangélica, 49% da bancada da bala e 46% da bancada ruralista.
Já em frentes parlamentares ligadas a temas defendidos pela esquerda, a participação do grupo cai consideravelmente.
Eles são 33% da bancada em defesa dos direitos humanos e 26% da bancada em defesa dos direitos da criança e do adolescente.
O “centrão” também tem relevantes problemas com a Justiça. O PP, maior legenda do grupo, tem 18 deputados na mira da Lava Jato. Análise dos dados do projeto “Excelências”, da Transparência Brasil, mostra que 62% dos deputados do grupo têm ocorrências na Justiça e em tribunais de contas –esse índice é de 53% no total de parlamentares da Câmara”.
“Esse centrão não é de centro, é um ‘direitão’ fisiológico, com as práticas vinculadas à direita. Conservadorismo, toma lá, dá cá, clientelismo. A pequena política é a grande política no Parlamento brasileiro hoje”, diz o esquerdista Chico Alencar (PSOL-RJ). Um dos líderes do grupo, Rogério Rosso aponta o perfil conservador como fator de unidade: “Esse é um dos motivos pelos quais existe essa unidade de ação.”
Ex-integrante do “centrão” (trocou o PSD pelo DEM), o deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), ligado ao pastor Silas Malafaia, diz não ver motivação ideológica ou comportamental no grupo. Para ele, a liga é política e tem como objetivo eleger o próximo presidente da Câmara.
E é exatamente nessa corrida que ele vê um risco de que o “centrão” de 2016 tenha o mesmo destino do “centrão” de 1988. “Quero ver se essa unidade será mantida quando a disputa começar”, diz Sóstenes.