Folha.com | Poder: Avessa a reconhecer erros, Dilma não soube conter revolta política

Era 2011. A faxina lançara Dilma Rousseff a invejáveis níveis de popularidade. O governo parecia ter encontrado um narrativa de sucesso: a mulher intolerante à corrupção varria os impuros de cena.

À medida que as pesquisas de opinião a favoreciam, aumentava sua certeza de que tudo tinha de ser do seu jeito. Sempre que contrariada, rebatia: “Você tem 55 milhões de votos?!”. E quanto mais poder conquistava, menos olhava para o Congresso.

Abatido por um câncer na laringe, Lula precisou se afastar em outubro de 2011. E sua antecessora passou a governar sem o seu poder moderador particular.

Com o padrinho no exílio médico, Dilma mergulhou de corpo inteiro na microgestão. Anunciou, orgulhosa, um sistema de câmeras que permitiria controlar projetos públicos, como filas de hospitais federais e canteiro de obras, a partir de seu gabinete.

Em uma reunião para demonstrar o monitoramento, flagrou uma goteira em um centro médico e mandou que Alexandre Padilha, seu ministro da Saúde, resolvesse o problema imediatamente. Dilma virara prefeita.

As insatisfações no Legislativo foram surgindo aos montes. Promessas não cumpridas, apadrinhados não empossados, emendas não liberadas. Tudo era feito a seu tempo. Até que a política deu o primeiro troco, em março de 2012.

O Senado –comandado pelo PMDB– impôs uma humilhante derrota à presidente: rejeitou o técnico Bernardo Figueiredo, uma indicação pessoal sua, para dirigir a agência reguladora ANTT.

“Tem insatisfação em todos os partidos. O governo tem que chegar junto. Tem de chegar junto”, alertou, à época, o veterano Romero Jucá (PMDB-RR), então líder do governo, após a votação.

No lugar de recompor a base, a petista dobrou a aposta: demitiu Jucá e, de quebra, ainda exonerou Cândido Vaccareza (PT-SP) da liderança do governo na Câmara.

A presidente Dilma Rousseff

Enquanto a poeira subia na política, o Planalto se voltava para o plano de concessões em infraestrutura. O pior do estilo Dilma aflorou ali. Crescia a intervenção do Estado sobre a economia. Sempre que alertada sobre os excessos, reagia com explosões ruidosas.

Os pitos eram democráticos, de garçom a ministro, sem distinção. Em 2010, no meio de sua primeira campanha, brigou tanto com um assessor que este jogou um celular contra a parede para não lançá-lo contra a chefe.

As explosões levaram muitos de seus auxiliares a lançarem mão de ansiolíticos nos momentos mais nervosos. Dilma, contudo, sempre rejeitou estabilizadores de humor.

Na campanha pela reeleição, doutora Virgínia, a médica presidencial, recomendava florais e remédios para aliviar a tensão da tropa. Ensaiou oferecer uma droga à chefe, mas foi logo cortada. “Eu não uso essas porcarias.”

Os gestos de generosidade da presidente sempre foram eclipsados por seu temperamento difícil. No início do governo, passou meses ensinando Jane, uma copeira analfabeta, a escrever. Antes do trabalho, recortava papéis com letras maiúsculas e montava palavras para as lições.

Dilma detesta reconhecer erros. Seu jeito de pedir desculpas é elogiar o assessor.

Ao longo dos cinco anos e meio de gestão, o governo se notabilizou por abusar do tempo. Deixava decisões pendentes, adiava tudo –até que o tempo decidia pela presidente.

Demorou para tirar Arno Augustin do Tesouro, Guido Mantega da Fazenda, Graça Foster da Petrobras. Demorou para pagar as pedaladas fiscais, para fazer uma reforma administrativa na Esplanada, para chamar Lula de volta ao governo, reclamam petistas e auxiliares do primeiro escalão.

De outubro de 2014, após a vitória nas urnas, a janeiro de 2015, ficou reclusa, sem perceber sua aprovação desmoronando velozmente. Enquanto a economia derrapava, o Congresso impunha derrotas.

O governo ainda tentou estimular uma força parlamentar alternativa para diminuir a dependência do PMDB, aliado historicamente traiçoeiro.

O plano, que consistia em inflar partidos como PSD e PROS, acabou sendo mal executado, e elevou Eduardo Cunha à condição de opositor declarado –um erro de cálculo que custaria caro ao Planalto meses à frente.

A presidente Dilma Rousseff conversa com o vice Michel Temer no Palácio do Planalto

DO AMOR AO ÓDIO

Até a reeleição, Dilma, mesmo com a popularidade em queda, recebia entusiasmadas cartas de eleitores. Até pedidos de casamento via correio ela recebia.

Em 2015, as mensagens carinhosas foram dando lugar a missivas agressivas: “Pegue as suas coisas e vá embora”, dizia uma delas.

Àquela altura, a Lava Jato já navegava em ritmo de cruzeiro, e por muito tempo a presidente acreditou que o desgaste não chegaria nela. Sua relação com o PT foi ficando mais difícil, e o padrinho Lula não conseguia esconder sua raiva da sucessora.

Dilma só se deu conta de que a operação da PF não excluía o núcleo do governo no fim de 2015. As acusações contra a campanha de reeleição se avolumaram, mas a presidente desafiava: “Nunca acharão nada porque nunca fiz nada de errado”, dizia –e diz–, levando o punho cerrado contra o peito.

Poucas coisas tiram Dilma tanto do sério quanto as acusações de desonestidade. Na véspera da votação do impeachment, ela soltou a seguinte frase à amiga Kátia Abreu, ministra da Agricultura.

“Não se preocupe, minha filha. Se houvesse a menor hipótese [de irregularidade minha], eu não ficava aqui para passar vergonha”, afirmou a presidente antes de desligar o telefone.

A presidente Dilma Rousseff (PT) durante entrevista

O PIOR DA CRISE

Nos últimos dias antes da votação do impeachment na Câmara, as tradicionais broncas rarearam muito. Dilma mantinha-se tranquila, mas não escondia o cansaço. Alguns a percebiam triste, outros, contemplativa.

Amigos e auxiliares afirmam que o pior da crise não é enfrentar os inimigos, mas perder aqueles que se diziam amigos.

Nos relatos sobre qual teria sido o pior dia da crise, todos apontam para o mesmo evento: o dia em que nenhum aliado do PMDB do Rio atendeu aos telefonemas da presidente.

No feriado de Páscoa, Dilma recebeu sinais de que os peemedebistas do Estado ameaçavam desembarcar da base aliada. Nos últimos cinco anos, a petista se aproximara muito de Sérgio Cabral, ex-governador, do prefeito Eduardo Paes e, sobretudo, de Luiz Fernando Pezão, de quem ficara amiga.

Durante aquele domingo, a petista, auxiliares e ministros tentaram contato. Sem sucesso. Como as chamadas não eram atendidas, Dilma foi se dando conta da realidade.

“Foi a primeira vez que a vi realmente baqueada”, disse um ministro, sob condição de anonimato.

Daquele momento em diante, apesar de ter mantido um grupo fiel, muitos lhe virariam as costas. Rogério Rosso, presidente da comissão do impeachment na Câmara, é apontado como um deles. O deputado costumava mandar modelos de bicicleta para a presidente como forma de agradá-la e de se aproximar.

Gilberto Kassab, um dos poucos que desfrutavam do convívio presidencial nos períodos de normalidade, também pulou do barco.

O Planalto notou as movimentações do então ministro das Cidades: saía do Planalto e, hora depois, alguém informava sobre sua visita ao Palácio do Jaburu, onde mora o vice Michel Temer.

Todos refutam a ideia de traição. Apontam erros do governo como responsáveis por expelir os políticos da base na hora da necessidade. Dizem que Dilma provou o pior da política. “Por isso tentou se manter tão distante”, palpita um auxiliar.

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