Antes de tudo, cabe um elogio. O deputado Rogério Rosso (PSD-DF) foi de um comportamento exemplar. Calmo, lógico, jurídico, aguentou os absurdos e as provocações de seus colegas na comissão do impeachment. O dia de ontem, entretanto, estava dedicado a Jovair Arantes (PTB-GO), encarregado do relatório final da comissão.
Temos a imagem de que, na média, qualquer congressista é um incompetente ou um demagogo. Lembro-me da total desconfiança que tive ao saber que pessoas como Amir Lando (PMDB-RO) e Benito Gama (PTB-BA) seriam os responsáveis pela CPI do caso Collor.
Resultou que ambos foram bastante técnicos e justos. A função de gritar para a plateia, de ignorar qualquer lógica na argumentação, coube a outros parlamentares.
Rosso e Arantes foram bem escolhidos. Não desanimam o eleitor que se sente traído pelos Tiriricas.
Com faixas verde-amarelas no pescoço, deputados a favor do impeachment se levantavam das cadeiras. O deputado Júlio Lopes (PP-RJ) pedia uma questão de ordem. A balbúrdia era geral.
Júlio Lopes urrava. O presidente pedia calma, e apelava para os técnicos de som. Mas incrivelmente a lógica predominava. Um deputado, bastante jovem, levantou a questão: será necessário pedir vistas ao relatório de Arantes, quando o prazo do impeachment está correndo? João Henrique Caldas (PSD-AL) pedia um único dia de revisões e debates sobre o relatório. Decidiu-se que seriam dois.
Quem pensa que toda a luta política é uma farsa deveria assistir a essas reuniões. Há sofisticação e inteligência na ação dos deputados. Merecem respeito, por absurdo que pareça. É admissível, por exemplo, apresentar voto em separado, depois do relatório de Jovair Arantes? O deputado Valtenir Pereira (PMDB-MT) levantava a questão.
Eram quase quatro da tarde. A leitura do relatório estava marcada para as duas. Jovair Arantes finalmente tomou a palavra.
Farei a leitura sem açodamento e sem pressa, garantiu o deputado. O parecer tinha mais de 130 páginas. Alguns vão me chamar de golpista, disse. Mas o principal é analisar apenas a admissibilidade das denúncias contra Dilma.
O julgamento, dizia Arantes em meio à gritaria, será feito pelo Senado Federal. Temos apenas de evitar acusações irresponsáveis. “Nenhum grito interromperá a voz do relator”.
Eis a lógica do processo. O aspecto político desaparece, diante de uma belíssima argumentação jurídica. O problema será remetido ao Senado Federal, mas é claro que a Câmara dos Deputados não considera tola a questão das pedaladas fiscais.
Política e legislação, eis a polêmica. Melhor suspender a sessão, decidiu Rogério Rosso, até que se imprima o relatório do deputado Jovair Arantes.
Finalmente a leitura se deu. O deputado goiano defendeu, em primeiro lugar, que o Senado deve decidir. Mas não se furtou a falar de questões orçamentárias.
Os supostos crimes da presidente da República, disse Arantes, estão claros na legislação vigente. Cumpre analisar a “tipicidade” dos fatos: se o que a presidente fez está previsto como crime na lei, não há o que discutir. Impeachment não é golpe, exclamou o relator.
Examinemos o modelo inglês do impeachment no Segundo Império, declarou Arantes. Foi mais além, mostrando que as leis republicanas são mais vagas. O impeachment prevê leis específicas sobre o crime de responsabilidade do presidente.
Não havia dúvidas, disse o relator. Trata-se de uma avaliação de todo o contexto político. Estou convicto de que, independentemente de questões partidárias, o chefe do Poder Executivo perdeu condições de governar.
Depois da Constituição de 1988, a Câmara avalia o lastro jurídico do impeachment. A comissão, safou-se Jovair Arantes, tem poder apenas opinativo. Que o Senado decida.
Os argumentos do deputado se ramificaram. É aceitável julgar os crimes de Dilma em seu mandato anterior? Não importa. Jovair Arantes foi enfático. O impeachment tem razão de ser.
Marcelo Coelho