Folha.com: Ainda há tempo para salvar o Parlamento

O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados se deparou na última semana com uma decisão monocrática do vice-presidente da Casa, o deputado Waldir Maranhão (PP-MA). Ele pediu o afastamento de Fausto Pinato (PRB-SP), relator do pedido de investigação no colegiado contra Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados.

A decisão foi embasada no fundamento jurídico de que Pinato fez parte do mesmo bloco partidário de Cunha no início da Legislatura, por isso estaria impedido de analisar o processo contra ele.

Estranhamente, o partido do vice-presidente da Câmara, o PP, também faz parte desse mesmo bloco que elegeu Eduardo Cunha. Portanto, nessa pequena constatação, estaria “impedido,” se fosse usado o mesmo critério, ao proferir uma decisão com tamanha responsabilidade.

O mais razoável desse questionamento, a meu ver, seria reunir a mesa diretora e de lá sair uma decisão do colegiado acerca do assunto, embora decisões desse teor sejam tomadas pelo presidente em exercício, Waldir Maranhão.

Dois pesos e duas medidas? Uma pergunta que não quer e não pode ficar sem resposta.

A destituição de Pinato provocou reações diversas no Conselho de Ética. A maior e a mais profunda indignação, porém, vem da sociedade, que exige a responsabilidade de seus representantes para trazer um posicionamento claro de tudo o que tem ocorrido nas reuniões.

Já fui acusado de fazer jogo duplo, incitar a discussão nas reuniões. Fui indagado inclusive com relação à minha lisura para conduzir os trabalhos do conselho.

Nada disso me assusta. O Conselho de Ética está amparado por um código normativo, que, por sua vez, está vinculado ao regimento interno da Câmara dos Deputados.

Todas as decisões que tomei foram amparadas por esses dispositivos, inclusive quando tive de me submeter à decisão de afastar o relator. Mesmo contrariado, acatei a ordem vinda de Waldir Maranhão, evitando que sobre mim pesasse qualquer tipo de desobediência.

Da mesma forma que confiei na seriedade de Pinato, confio e acredito no comprometimento do novo relator, o deputado Marcos Rogério (PDT-RO). Ele também vê a necessidade de esclarecer as denúncias.

Embora tenha acatado a decisão, vou recorrer a todas as instâncias possíveis. Não posso ficar diariamente à mercê de decisões dessa natureza, que podem ser configuradas como medidas que venham a beneficiar ou a prejudicar Cunha neste colegiado.

Não podemos nos esquecer da independência que pesa sobre os membros do Conselho de Ética. Precisamos agir com responsabilidade, sem deixar que o corporativismo prevaleça em meio a decisões que maculam a imagem do Parlamento.

Mesmo diante de tamanha tensão, espero que as decisões continuem a ser pautadas pelo respeito, celeridade e, acima de tudo, pela transparência e o devido processo legal. Não está declarada a guerra contra este ou a favor daquele.

O que realmente está em jogo são questionamentos legítimos feitos pela sociedade diante de inúmeras denúncias. Acatar a admissibilidade deste processo não é decretar uma sentença de culpa a Cunha. Pelo contrário. É oferecer a ele a oportunidade de apresentar sua defesa e desconstruir pontualmente cada uma das acusações.

Não vou me acovardar, tampouco me sentir intimidado pelos últimos fatos. Continuarei pautado pelo respeito, transparência e zelo ao meu mandato. No entanto, não aceito e não vou admitir que qualquer decisão equivocada prejudique os trâmites do processo.

Uma Casa democrática não pode se deixar levar por princípios de conveniência. Meu compromisso está acima de decisões partidárias.

Precisamos honrar a confiança naqueles que ainda acreditam num Parlamento sério, capaz de cumprir a sua missão constitucional, zelando pela dignidade do mandato.

JOSÉ CARLOS ARAÚJO, 70, é deputado federal (PSD-BA) e presidente do Conselho de Ética da Câmara

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