Maioria dos ministros do Supremo vota pela abertura de processo contra o deputado
Isabella Souto
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sofreu ontem duas derrotas que podem levá-lo ao afastamento do cargo e à perda do mandato parlamentar. A primeira foi durante a madrugada, quando o Conselho de Ética da Casa aprovou o relatório que pede a continuidade do processo disciplinar por quebra de decoro por ter ocultado contas bancárias no exterior durante depoimento na CPI da Petrobras. Horas mais tarde, seis ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acataram denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), número suficiente para que ele se torne o primeiro réu na ação penal envolvendo a Operação Lava-Jato. Cunha é acusado de ser o gestor da “propinolândia” na Petrobras e de ter recebido US$ 5 milhões durante a negociação de contratos da estatal.
A alegação da PGR é que Eduardo Cunha recebeu, entre 2006 e 2012, pelo menos US$ 5 milhões para “facilitar e viabilizar” a compra de dois navios-sonda pela Petrobras, construídos pelo estaleiro sul-coreano Samsung Heavy Industries para operar no Golfo do México e na África. No esquema, ele teria tido a participação da ex-deputada Solange de Almeida (PMDB-RJ), hoje prefeita de Rio Bonito (RJ). Ao ler seu voto, o relator da ação, Teori Zavascki, afirmou que estão presentes todos os elementos necessários para a denúncia: “materialidade e indícios de autoria”, mas ressaltou que não há comprovação da participação de Eduardo Cunha e Solange de Almeida no esquema da compra dos estaleiros. “Há indícios robustos para se receber parcialmente as denúncias, mas não é possível comprovar a participação de Cunha e de Solange no momento da contratação dos navios-sonda (2006/07)”, afirmou o ministro.
O voto do relator foi seguido pelos ministros Marco Aurélio Mello, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Rosa Weber. Os demais votos serão proferidos na sessão de hoje. Antes de discutir o mérito, os ministros se debruçaram sobre nove questões preliminares apresentadas pelas defesas de Eduardo Cunha e da ex-deputada e hoje prefeita Solange Almeida — incluída na denúncia. Eles alegam, entre outros pontos, que não tiveram acesso ao inteiro teor das delações premiadas usadas pela PGR para abrir o inquérito e que a ex-deputada não poderia ser julgada no STF, pois não tem mais foro privilegiado. A defesa de Cunha ainda pediu para que o inquérito contra ela na Lava-Jato fosse suspenso. O ministro Marco Aurélio foi o único que votou pelo acolhimento das preliminares, sendo derrotado pelos colegas.
FARTA PROVA Durante a sustentação oral, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reafirmou as acusações e disse que uma das práticas para êxito na política é a capacidade de se “envergonhar”. Com esse discurso, comparou a atuação de Eduardo Cunha no esquema de corrupção da Petrobras com o mito de Hermes — que foi enviado à Terra por Zeus, para corrigir os desvios e obter êxito na prática lícita da política: a preocupação com o direito alheio e a capacidade de sentir vergonha. Janot disse que a denúncia baseou-se em “farta prova” da participação do presidente da Câmara no esquema. Defensor de Cunha, o ex-procurador-geral da República Antônio Fernando de Souza reclamou que “não há um documento sequer que se reporte a Cunha”.
Derrota no conselho também
Por 11 votos a 10, o Conselho de Ética da Câmara decidiu dar continuidade ao processo que investiga Eduardo Cunha por quebra de decoro parlamentar por ter ocultado a existência de contas bancárias no exterior, durante depoimento na CPI da Petrobras. Desde o ano passado, Eduardo Cunha vinha adotando manobras regimentais para evitar a votação do seu processo no grupo. A votação apertada mostrou uma divisão entre os integrantes do conselho em torno da continuidade do processo, e o voto do deputado Paulo Azi (DEM-BA) foi decisivo. Coube a ele fazer a proposta que resultou em um acordo e permitiu a decisão no Conselho de Ética: retirar trecho do parecer que pedia a investigação de suposto recebimento de propina.
O relator Marcos Rogério (PDT-RO) aceitou a proposta com o argumento que o fato (recebimento de propina) não teria ocorrido no atual mandato legislativo. Com isso, Azi aceitou votar o relatório. Dessa forma, ele será julgado apenas por ter mentido na CPI da Petrobras, o que poderá resultar em uma penalidade menor, evitando uma possível cassação. Embora tenha acatado o corte no relatório, Marcos Rogério ressaltou que nada impede que, no decorrer das investigações, a questão envolvendo o recebimento de propina possa voltar à pauta do Conselho de Ética. Cunha terá até 10 dias úteis para apresentar sua defesa, quando então haverá a fase de oitiva de testemunhas e apresentação de provas.
TAPETÃO Cunha afirmou que recorrerá da decisão do conselho que decidiu abrir processo contra ele. Até a noite de ontem, ele não havia sido notificado da aprovação e apontou como supostas irregularidades a retomada da sessão à noite e o voto de minerva do presidente do colegiado, deputado José Carlos Araújo (PSD-BA). Segundo o parlamentar, os recursos podem ser presentados na Comissão de Constituição e Justiça e no plenário.
“Ter um voto de minerva praticado por alguém que teve sua suspeição arguida, e que não se decidiu a suspeição, por si só coloca em cheque a votação”, afirmou Cunha. Araújo ainda não respondeu formalmente a duas questões de ordem que pedem seu afastamento do processo do peemedebista. Os autores dos questionamentos, deputados Carlos Marun (PMDB-MS) e Wellington Roberto (PR-PB), alegam parcialidade na conduta do parlamentar. Eles citam entrevista em que Araujo se mostrou a favor da admissibilidade da representação de Cunha como prova. O voto dele foi decisivo uma vez que o placar estava empatado em 10 a 10.