Deputados que analisam as medidas levadas pelo MPF querem alterar pontos centrais do pacote, entre eles a criminalização do caixa 2 e o aumento da pena de corrupção
BRASÍLIA – Parlamentares da comissão especial que analisa as medidas anticorrupção apresentadas pelo Ministério Público ao Congresso já articulam mudanças em pelo menos quatro pontos centrais do pacote a criminalização do caixa 2, o aumento da pena para corrupção, a possibilidade de que provas ilícitas sejam consideradas válidas se forem colhidas de boa-fé e a hipótese de prisão preventiva para a recuperação de recursos desviados.
Deputados têm discutido o tema em encontros reservados com advogados. Eles resistem a expor publicamente o desconforto com as medidas propostas, já que o projeto chegou à Câmara com o apoio de 2 milhões de assinaturas, recrutado por representantes da força-tarefa da Lava Jato e pelo juiz Sérgio Moro.
A criminalização do caixa 2, hoje um ilícito eleitoral, é um dos pontos mais polêmicos e tem causado reações entre parlamentares, que debatem a melhor forma para evitar o endurecimento da legislação sobre a prática. O Ministério Público Federal quer responsabilizar não só pessoas físicas, mas também os partidos que praticam o caixa 2. Apesar de a discussão na comissão ter como base as 10 medidas do MPF, ainda não há um texto final do projeto e os deputados estudam como modificar a proposta original sem rejeitar a medida toda.
Para o presidente da comissão, Joaquim Passarinho (PSD-PA), com o fim do financiamento eleitoral, praticamente acabou o problema do caixa 2 e é preciso analisar uma nova forma de abordar a questão. A principal tese em discussão é separar crime eleitoral de propina.
Aliado do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Carlos Marun (PMDB-MS), avaliou que a criminalização do caixa 2 só será aprovada se houver uma distinção entre a prática que consiste na doação ou recebimento recursos não declarados à Justiça Eleitoral e o recebimento de dinheiro oriundo de corrupção.
A propina tem uma relação de causa e efeito, tem que haver fato gerador com o benefício tendo se materializado e em contrapartida o beneficiado ter feito pagamento para algum agente político. Se não houver essa diferenciação, tudo vira propina, disse Marun.
O relator da comissão especial, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), concorda que é necessário separar o joio do trigo.
Delações. A tese, contudo, enfrenta resistência no próprio colegiado. Para o deputado Wadih Damous (PT-RJ), essa seria uma forma de blindar parlamentares e protegê-los de delações em curso, como a da Odebrecht.
Na opinião de Rubens Bueno (PPS-PR), que é suplente na comissão, fazer a distinção entre caixa 2 e o recebimento de propina seria um eufemismo. É uma forma de fugir da Justiça, acho que o caixa 2 tem que ser julgado como propina também.
Para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a criminalização do caixa 2 e o aumento da pena para crime de corrupção são a base fundamental das dez propostas do MPF e, por isso, precisam ser avaliados com toda atenção pelos deputados. É preciso observar o que vem acontecendo na política nacional para entender por que esses são os aspectos importantes, disse. Sinto no meu dia a dia que a sociedade tem uma expectativa positiva com que o Congresso pode fazer com essas medidas. Estamos sob os olhares de milhões de brasileiros.
Passarinho considera que o primeiro impacto das propostas é ruim e que alguns pontos sugeridos podem ser modificados. Sobre o aumento da pena para crimes de corrupção, por exemplo, o deputado afirma que não é em razão do tamanho da pena que as pessoas são corruptas.
Provas. O presidente da comissão especial admite que outra medida polêmica é a possibilidade de provas consideradas ilícitas serem validadas pela Justiça se for comprovado que foram colhidas de boa-fé. A nulidade de provas é um dos principais caminhos usados atualmente por criminalistas para tentar derrubar investigações. As operações Satiagraha e Castelo de Areia são exemplos de grandes apurações que acabaram enterradas em razão do uso de provas ilícitas como escutas telefônicas sem autorização judicial.
As 10 Medidas Contra a Corrupção foram entregues ao Congresso no fim de março. A comitiva contou com a presença do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa em Curitiba. Em meio à turbulência do afastamento de Cunha (PMDB), o pacote ficou nas gavetas da Câmara até junho, quando o presidente interino da Casa, Waldir Maranhão (PP), criou a comissão especial para discuti-la. Alguns dos principais partidos da Casa PMDB, PT, PP, PSC e PCdoB protelaram a indicação de nomes para compor o colegiado. A comissão só começou a funcionar no início deste mês./ Julia Lindner, Beatriz Bulla, Fábio Serapião e Isabela Bonfim
O Estado de S.Paulo