O governo Michel Temer conseguiu aprovar no início da tarde desta quarta-feira, 1º, em comissão especial da Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prorroga a Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 2023. Em uma demonstração de força da base aliada do peemedebista, a proposta foi aprovada no colegiado por 20 votos a 4. Os votos contrários foram de deputados do PT, PSOL, PDT e PTB.
A DRU dá mais liberdade ao governo no uso das receitas obtidas por meio de tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. Na prática, permite à União aplicar os recursos destinados por lei a áreas como educação, saúde e previdência social em qualquer despesa considerada prioritária e na formação de superávit primário, desde que respeitando os gastos mínimos constitucionais exigidos para cada área. Com isso, possibilita o manejo de recursos para o pagamento de juros da dívida pública.
A ideia do governo do presidente em exercício, Michel Temer, é tentar votar a PEC aprovada na comissão ainda nesta quarta-feira no plenário da Câmara. Para isso, terá antes que conseguir aprovar um requerimento de quebra de interstício, para não precisar esperar o prazo regimental de duas sessões plenárias exigido entre a aprovação na comissão e a votação em plenário. O PT já anunciou que pretende tentar obstruir a votação.
Parecer
Na comissão, deputados aprovaram o parecer do relator da matéria, deputado Laudívio Carvalho (SD-MG). O relatório, defendido integralmente pelo governo, prevê a prorrogação da DRU até 31 de dezembro de 2023, estabelecendo que a autorização para remanejar o Orçamento da União será retroativa a 1º de janeiro deste ano. A última autorização para a DRU venceu em 31 de dezembro de 2015.
Até poucos minutos antes do início da votação do parecer, o prazo de prorrogação previsto no parecer era 31 de dezembro de 2019. Em uma complementação de voto, porém, o relator anunciou a ampliação do prazo para 2023. Ele disse que decidiu ampliar o prazo, acatando “sugestões de lideranças partidárias”, e lembrou que o novo prazo já constava na PEC de prorrogação da DRU enviada pelo governo da presidente afastada Dilma Rousseff.
O parecer também prevê que a alíquota do Orçamento da União que o Executivo poderá remanejar seja elevada de 20%, como estava até o ano passado, para 30%. Além disso, prevê a criação de uma espécie de DRU para Estados e municípios – chamadas de DRE e DRM, respectivamente – nos mesmos termos da DRU, mas prevendo explicitamente que o remanejamento não pode afetar recursos destinados à Saúde e à Educação.
No parecer aprovado, também foi mantida a proibição para desvinculação de recursos de fundos constitucionais de desenvolvimento regional do Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Centro-Oeste (FNCO). A proibição foi introduzida no fim do ano passado, na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara, durante a votação da admissibilidade da PEC, e teve aval tanto da base aliada de Dilma Rousseff quanto da então oposição.
Em outra mudança anunciada na complementação de voto, o relator também incluiu os fundos instituídos pelas procuradorias gerais dos Estados e do Distrito Federal como aqueles cujos recursos não poderão ser desvinculados. No roll desses fundos que não poderiam ter receitas desvinculadas, já constavam fundos instituídos pelo Poder Judiciário, Tribunais de Contas, Ministério Público e Defensorias Públicas.
Resistência
Na votação do parecer na comissão especial nesta quarta-feira, o governo enfrentou resistência principalmente de deputados da oposição, inclusive do PT – partido que defendia a proposta até quando a presidente afastada Dilma Rousseff estava no comando do País. Houve ainda resistência do deputado Arnaldo Faria de Sá (SP), do PTB, legenda que integra a base aliada de Temer no Congresso Nacional.
Parlamentares contrários à matéria afirmaram que a PEC ameaça a destinação de recursos para áreas importantes, como de saúde, educação e seguridade social. Para eles, o principal objetivo da PEC é permitir ao governo federal a desvinculação de recursos para destiná-los à formação de superávits primários, que são usados, entre outros objetivos, para o pagamento de juros da dívida pública.
“Essa DRU vai tirar R$ 120 bilhões da seguridade social”, afirmou o deputado Arnaldo Faria de Sá. Para ele, ao permitir remanejamento de contribuições sociais, a DRU poderá acabar sendo usada como justificativa para a reforma da previdência social. “Na hora que você diminui o orçamento da seguridade, acaba tendo um chamado déficit que justificará a proposta de alteração da Previdência”, disse.
“Esses nazistas querem matar os brasileiros para economizar na conta fiscal. Cambada de safado e sem-vergonha”, acrescentou. O deputado questionou o fato de o parecer aprovado prever retroatividade da DRU para 1º de janeiro deste ano. “É inconstitucional. Não pode aprovar uma PEC com retroatividade”, disse. O presidente da comissão especial, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), ignorou o questionamento do deputado paulista.
Para o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), a PEC votada pode levar prefeitos a diminuírem os gastos com áreas importantes, como a Saúde. “Muitas prefeituras gastam mais de 18% com a saúde, que é o limite, e eles vão poder falar: não vou gastar mais, porque já desvincularam lá em Brasília. Se eu gasto hoje 25%, vou baixar pros 18%, porque foi desvinculado. Não preciso mais gastar com isso, não”, afirmou. Ele defendeu que a proposta deve ser rejeitada até que o Congresso discuta o destino de Dilma.
Deputados de partidos da base aliada, como PSD, PMDB, PR e PSDB, rebateram as acusações e sustentaram que a PEC da DRU não vai necessariamente atingir os recursos destinados para áreas importantes como Saúde e Educação. “Não há nada sendo retirado de ninguém. E não há nenhuma despesa vinculada sendo liberada pelo relator”, afirmou o presidente da comissão especial, deputado Rodrigo Maia.
Manobras
Em uma clara manobra regimental para impedir a obstrução da oposição, governistas apresentaram logo no início da sessão um requerimento pedindo a retirada da PEC da pauta da sessão. O pedido foi apresentado pelo líder do PSD, Rogério Rosso (DF), com o objetivo de impedir que outros requerimentos no mesmo sentido fosse apresentados pela oposição. Como esperado, o pedido foi rejeitado por 19 votos a 1 e 4 obstruções.
Para acelerar a promulgação da DRU, o governo decidiu centrar esforços na articulação para aprovar a PEC que começou a tramitar na Câmara, em vez de tentar votar o projeto no mesmo sentido que teve origem no Senado. Isso porque a PEC da Câmara tem previsão de tramitação mais rápida: aprovada no plenário pelos deputados, ela poderá seguir direto para o plenário do Senado, sem passar pelas comissões temáticas daquela Casa. No sentido inverso, a PEC do Senado ainda precisaria passar pelas comissões da Câmara. (AE)