Correio Braziliense: Uma freada nas manobras

O presidente da Câmara dos Deputados passará, desta vez, pelo crivo do Supremo e pode ter o início do seu destino político traçado. Na quarta-feira, ministros decidirão se ele virará réu no processo que o envolve na Lava-Jato

JULIA CHAIB

Apesar de conseguir manobrar e protelar o processo que pode cassar seu mandato no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), enfrentará nesta semana um julgamento difícil de adiar em outro poder. Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vão analisar se aceitam a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) e abrem uma ação penal contra Cunha. Se aceitarem, o presidente da Câmara se tornará réu e responderá pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava-Jato. É o primeiro item da pauta de quarta-feira da Corte.

A decisão de abrir ou não a ação penal será tomada antes da análise de outro pedido da PGR, que solicita o afastamento de Cunha do mandato e da presidência da Câmara. O processo de afastamento ainda está na fase de apresentação de defesa do deputado. Mesmo se Cunha se tornar réu, ele ainda tem o direito de exercer as funções. Somente com uma condenação, após fase de instrução processual, na qual se analisam provas e depoimentos, o mandato fica ameaçado. A Constituição prevê a condenação como possibilidade para a perda do cargo de deputado, mas depende de análise pelo plenário da Câmara. Questionado, na última quinta-feira, se tem condições de continuar na presidência mesmo virando réu, Cunha afirmou “Total. Todo mundo tem a presunção (da inocência). Dou meu próprio exemplo, já aconteceu comigo de eu ter sido declarado réu e depois absolvido”.

A PGR tem como base para a denúncia os depoimentos prestados no acordo de delação premiada do lobista Fernando Soares, o Baiano, e do executivo da Toyo Setal Júlio Camargo. O empreiteiro afirmou à Polícia Federal que, em encontro no Rio de Janeiro, em 2011, o presidente da Câmara pediu propina de US$ 5 milhões. O acerto se referia a contratos que somam R$ 1,2 bilhão para aluguel de navios-sondas da Petrobras. Como forma de pressionar o pagamento do montante, Cunha teria tentado pautar pedidos de investigação na Casa contra as empresas de Camargo.

A abertura da ação no Supremo reforça o processo do qual Cunha é alvo no Conselho de Ética, que ainda não julgou a acusação de quebra de decoro parlamentar porque tem sido alvo de diversas manobras protelatórias. “Penso que, se o relator está levando ao plenário, é porque ele entende que se deve dar continuidade ao processo e transformar os autos em processo crime, aí teremos a instrução. Não estaremos reunidos para definir a culpa ou não do Cunha, mas tão somente para ver se há indícios da autoria quanto ao crime ou crimes retratados na denúncia”, explica o ministro do STF, Marco Aurélio Mello.

O líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA), acredita que a denúncia será aceita e avalia que ela reforçará o constrangimento no Congresso com a presença de Cunha. “Normalmente, quando o Teori encaminha parecer solicitando abertura de um processo, o conjunto dos ministros acolhe. Até porque tem aquela máxima de que, em caso de dúvida, deve-se fazer a investigação”, diz. “Isso reforça o processo no Conselho de Ética. Um dia, o estoque de possibilidades de adiamento vai se esgotar”, completa.

Na avaliação do deputado Paulo Pimenta (PT-RS), é importante que o STF tome as decisões com relação a ambos os pedidos da PGR. “O importante é tomar a decisão. A indefinição hoje atrasa o parlamento. Se não for aceita a denúncia, dificilmente ele será afastado. De qualquer maneira, a decisão de quarta, dá encaminhamentos”, disse. Pimenta acredita que, diante da situação no Conselho de Ética, um possível afastamento de Cunha só seria feito pelo STF. “A maneira como está sendo conduzido o processo no conselho tem deixado muito a desejar”, critica.

Conselho

Após a aprovação do parecer a favor da cassação do mandato por 11 votos a nove em dezembro, uma manobra de Cunha no Conselho de Ética da Câmara garantiu que o processo voltasse a estaca zero. O presidente da Casa tem usado uma série de artifícios baseados no regimento para garantir o adiamento do processo. Na última sessão, ele e seus aliados conseguiram que um coligado ganhasse uma vaga de titular, sendo mais um voto a favor de Cunha, e pediram o afastamento do presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PSD-BA). Há uma nova sessão marcada para amanhã, mas ela pode ser novamente adiada.

No Senado, há o temor de que a mesma demora ocorra com o processo de quebra de decoro parlamentar contra o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), preso acusado de atrapalhar as investigações da Lava-Jato e solto há duas semanas. Na última semana, o conselho acatou um pedido da defesa do senador e impugnou o então relator, Ataídes de Oliveira (PSDB-TO). O sorteio para definir o novo relator está marcado para quarta-feira. “No Senado, não conheço nenhuma providência no sentido de protelar (a análise do processo), mas não me surpreenderia se isso viesse a ocorrer. A impugnação já é um expediente protelatório”, avalia o líder da oposição na Casa, Alvaro Dias.

Delcídio está de licença média por 15 dias e faz exames em São Paulo, mas há parlamentares que não defendem sua volta. “Acho que ele deveria se licenciar até o julgamento definitivo no Conselho de Ética. Existe um ambiente de constrangimento que não contribui para a análise do mandato dele”, diz Álvaro. O líder espera que o STF aceite a denúncia e Cunha também se licencie até a análise do pedido no conselho. “O Supremo, eu creio, vai agir de forma implacável. Não creio que facilitará, que fará qualquer tipo de concessão, que será condescendente”, diz.

“Isso reforça o processo no Conselho de Ética. Um dia, o estoque de possibilidades de adiamento vai se esgotar” Antonio Imbassahy, líder do PSDB na Câmara

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