Correio Braziliense | Política: “Quem inventou o impeachment foi Dilma”

Ana Dubeux

Carlos Alexandre

Denise Rothenburg

Leonardo Cavalcanti

O cientista político Murillo de Aragão, 59 anos, observa os movimentos dos poderes para além dos muros da academia, mesmo que não se esqueça da teoria para lidar com os recentes acontecimentos na Esplanada. Advogado por formação, ele é doutor em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e preside uma das principais empresas de análises políticas do país.

Interlocutor de integrantes do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, Aragão é um tradutor qualificado da política dos gabinetes da capital federal, para brasileiros e estrangeiros. “Quem inventou o impeachment foi a Dilma, quem deu força para o impeachment foi a Dilma, quem orientou o governo para trabalhar contra o impeachment foi a Dilma”, afirmou ele, em entrevista ao Correio na última segunda-feira.

Para Aragão, se a presidente agora afastada tivesse se dedicado à economia como se dedicou ao impeachment, “ela talvez criaria um ambiente econômico melhor, que a blindaria para essa situação”. Hoje, ele, que ao longo de oito anos, a partir de 2007, integrou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República, se diz um otimista: “Não estou pessimista. Agora, temos o governo. Antes tínhamos um amontoado de pessoas voltadas a atender à presidente Dilma com seus caprichos, e o total abandono às práticas políticas.”

“O maior erro que Temer pode cometer é fazer um governo para ter popularidade. Se houver uma imperícia neste momento, podemos cair em uma espiral de completa falência do modelo econômico”

“A economia é muito mais expectativa do que realidade. Se tiver boa expectativa, cria boa realidade daqui para frente. Para isso, tem de se adotar medidas que apontem para a retomada da credibilidade”

Até que ponto erros iniciais podem comprometer o governo Temer?

Com relação à história de não ter mulheres, evidentemente que houve um erro, mas não foi intencional ou um que se possa atribuir ao governo Temer ou ao Michel Temer. Houve um convite para a Ellen Gracie fazer parte do governo, mas ela não aceitou.

Mas mesmo assim seria uma única mulher…

Não estou defendendo, mas esse governo é semiparlamentarista, cuja orientação é uma coalizão que tenha compatibilidade dentro da base política no Congresso. O espaço de escolhas dos ministros é compartilhado. Não foi uma decisão monocrática do Temer, foi uma negociação partidária.

Ele não poderia ter pedido para os partidos indicarem mulheres?

Claro, ele é o presidente. Agora, considerando a situação política do país, o carrossel de emoções que ocorreu desde a votação na Câmara até o afastamento de Dilma, é evidente que algumas coisas ficaram pelo caminho. Tenho certeza de que, se não houvesse esse problema, se o ministério tivesse duas ou três mulheres, teríamos as polêmicas das minorias ou a polêmica mais inflada da Cultura. Governar é dizer não, e não agradar a todos, você tem que escolher os inimigos. Acho que foi um erro e será corrigido.

Até que ponto pode se errar em um momento como o atual?

Neste momento, se pode errar, porque é impossível se acertar quando se tem um governo-ônibus, com 14 ou 15 partidos. Não podemos errar na área econômica, porque a economia está na UTI. Se perdermos o controle da economia, tudo mais perde sentido. Podemos entrar em uma completa desconfiança no governo, na moeda, no câmbio e no investimento. A prioridade é restabelecer a confiança econômica e fiscal, é aí que não se pode errar.

Como se resgata a economia com um deficit de quase R$ 200 bilhões?

Estão dizendo R$ 125 bilhões.

Isso é o que o governo admite, não?

Não. O governo admitia R$ 100 bilhões, passou a R$ 125 bilhões e já estão falando que pode ser mais. Você pode dever o que for se você tem credibilidade. Dever é de segunda importância. Se um país restabelecer a credibilidade fiscal e econômica, terá recursos para a dívida. Para você dever existem duas alternativas: ou você imprime dinheiro, que é o caso dos Estados Unidos, que é a Casa da Moeda do mundo, ou você tem credibilidade, que é o caso de países como a Inglaterra. O Brasil tem uma dívida de 70% do PIB, não é o horror, não é o pior dos mundos, mas não tem credibilidade. Se restabelecermos a credibilidade, teremos recursos no país e no mundo para financiar a dívida.

Há tempo para recuperar isso?

Claro. A economia é muito mais expectativa do que realidade. Se tiver boa expectativa, cria boa realidade daqui para frente. Temos que adotar medidas que apontem para a retomada da credibilidade. O primeiro passo foi reduzir ministérios. Podem argumentar que, na prática, não tem economia, mas se reduziu o centro de decisão. A questão dos cargos de confiança também é uma boa medida.

A experiência é o corte nos comissionados, mas, logo depois, a volta do inchaço, não?

Eu acho que isso pode acontecer. A era Lula-Dilma foi um governo iceberg, que tinha uma ponta, onde o PT tinha 11 ministérios, mas, embaixo, existiam milhares de cargos de confiança e centenas em cargos de estatais. O ponto que eu acho essencial é que o político entendeu que o governo não tem mais dinheiro para fazer obra, porque tudo está sendo consumido pelo custeio. Custeio não gera política, o cara não consegue se reeleger apenas pagando salários, ele se reelege quando faz coisas. Se o Brasil fosse uma obra acabada, tudo bem, mas o Brasil tem muito a ser feito, portos, ferrovias, aeroportos, rodovias, saneamento. O político quer que o Estado tenha condições de financiar obras ou que as regras permitam investimentos em parcerias público-privadas.

Como Temer conseguirá popularidade?

O maior erro que Temer pode cometer é fazer um governo para ter popularidade agora. A soma de erros na parte econômica e fiscal é tão grande que, se houver uma imperícia neste momento, podemos cair em uma espiral de completa falência do modelo econômico. Eu tenho a impressão de que a última preocupação dele é ser popular neste momento. Se ele for por esse caminho, não vai acontecer nada.

Essa tese não vai de encontro à vaidade do político?

Eu assisti ao governo Temer viver uma crise antes de começar, quando o mundo político queria que ele continuasse com 31 ministérios. Na semana anterior, ele foi pressionado intensamente, até o último minuto, para não fazer as fusões. Ele resistiu e disse não. Se ele quiser ter um compromisso na história, ele tem que dizer não.

Ele pensa em se candidatar?

Eu acho que não.

Seria mais fácil abrir mão da popularidade e adotar medidas mais duras…

Isso, o mal tem que ser feito rápido. O grave erro da Dilma foi ela ter optado por um tratamento meio barro meio tijolo, com relação à crise. Quando você reconhece o tamanho da crise, tem que se tomar medidas duras e drásticas para depois recompor.

É possível governar sem popularidade em um Brasil como o de hoje? É possível. No caso da reforma da Previdência, é uma batalha de comunicação. A Previdência tem um problema sério no setor privado e um problema seriíssimo no setor público. Vai ter de explicar à sociedade o que está acontecendo. É evidente que tem que se respeitar direitos, fazer regra de transição e buscar soluções para o futuro. Nunca foi fácil, mas, provavelmente, o Temer é o cara mais bem talhado entre as figuras que estão disponíveis hoje no país.

Ele fez um ministério pensando em votos no Congresso e, apesar disso, há resistência em relação à CPMF. Como vai conseguir convencer alguém em ano eleitoral?

É compatível se ter uma reforma em ano eleitoral, mas aí ele tem que estabelecer um roteiro. Primeiro tratar das decisões de alto impacto e baixo custo político, e depois as decisões de alto impacto e alto custo político. Não pode começar pelas reformas, tem que começar pelas decisões no âmbito administrativo. Tem de mostrar, ao lado do (Henrique) Meirelles (ministro da Fazenda) e (Romero) Jucá (ministro do Planejamento), condições de conter a situação fiscal pelas medidas de dentro do governo. A sociedade não aceita a CPMF porque não percebe o sacrifício na máquina pública.

Mas todo o sacrifício que se tenta fazer na máquina pública acaba em confusão…

O problema será se quem resiste não der os votos para a medida. A opção é clara: ter um governo com votos para aprovar a agenda no Congresso. Os maiores partidos são atendidos, mas o governo tem que olhar para a sua maioria e usar os poderes de compensação. Esse governo é grande demais, ficou inchado demais na era Lula-Dilma, se for minimamente competente conseguirá atender a aliados e aprovar agenda transformadora. É evidente que as reformas tributária e previdenciária necessitam de regras de transição e prazo de implementação. Não dá para fazer de uma vez. Outro ponto é tratar os bancos públicos de forma pragmática, com gestão profissional. Segundo consta, a Caixa está em grandes dificuldades, o BNDES tem uma exposição aos empréstimos que alguns dizem que é de uma qualidade muito duvidosa. Talvez o Banco do Brasil, por ter uma estrutura mais tradicional, tenha se preservado, mas existem questões muito sérias no setor público financeiro-estatal que devem ser resolvidas.

O senhor se diria otimista?

O analista político, por vício de profissão, é sempre pessimista, é muito mais fácil ser pessimista no Brasil. O custo de ser pessimista é baixo e as chances de dar errado são elevadíssimas, como disse o Roberto Campos: “O Brasil não perde a oportunidade de perder uma boa oportunidade”. Estou otimista pelo simples fato de que agora temos governo. Antes, tínhamos um amontoado de pessoas voltadas a atender a presidente Dilma com seus caprichos e o total abandono às práticas políticas. Hoje, temos um governo que vai ouvir, que já chamou as centrais sindicais, que toma decisões. Nunca vimos a presidente Dilma desautorizando um ministro, o governo era tolhido, fechado, que não tinha diálogo, que não tinha vocalização com a sociedade e eu assisti a isso de dentro, eu fui integrante do Conselho do Desenvolvimento Social. Agora, temos o diálogo. Essa é a razão número um. Número dois, este governo tem base política, o mundopolítico está apoiando. É bom lembrar que o presidente do Brasil é o mais poderoso das democracias ocidentais, nem mesmo o Obama tem a soma de poderes que o presidente do Brasil tem. Esse presidente — que é dono do orçamento, que implementa como quer, que é dono de 50% do sistema financeiro estatal, que emprega 30 mil funcionários e que tem medidas provisórias — tem quase um poder imperial. Esse presidente perder o controle da sua base política e do país, como ela perdeu, indica uma incompetência mastodôntica. Esse presidente é, no mínimo, mais competente que a Dilma.

Não tem jeito de ele errar mais, é isso?

Não, ele pode errar, mas a capacidade de recuperação será mais rápida. O Lula disse para a Dilma, em 2013, que tinha que tirar o Mantega e colocar o Meirelles. Os erros da presidente Dilma foram cantados em verso e prosa, a destruição do governo dela estava escrita, todos sabiam que ia terminar mal.

E ela foi a culpada mesmo ou vítima?

Não, ela não foi vítima de nada, ela é a culpada número um. Ela quem destruiu o lulismo, praticamente destruiu o PT e pode ter destruído o Lula como fenômeno político. Em março de 2015, fizemos um relatório. Havia 30% de chance de impeachment de Dilma. Era uma probabilidade absurda para um governo que tinha três meses de existência. Porque o governo se atrapalhava na política e caía na armadilha do discurso, tanto é que ela disse que não teríamos um golpe à paraguaia no Brasil e depois ela negou essa frase. Quem inventou o impeachment foi a Dilma, quem deu força para o impeachment foi a Dilma, quem orientou o governo para trabalhar contra o impeachment, que foi criado por ela, foi a Dilma. Se ela tivesse dedicado o empenho que ela dedicou no impeachment para a economia, ela talvez tivesse criado um ambiente econômico melhor que a blindaria. Do contrário, ela desmoralizou o Joaquim Levy quando inventou a CPMF sem conversar com os aliados, e quando tratou, de forma irrelevante, a questão do rebaixamento.

Até que ponto o PT e o Lula podem dificultar o governo Temer?

O PT é mais eficiente como oposição do que como governo, até porque, nos últimos tempos, o PT foi oposição até mesmo ao governo Dilma, por não apoiar as medidas de ajuste fiscal que ela e o Levy propuseram. Um pronto que a gente tem que reconhecer é que o PT, como oposição, foi fortemente turbinado pela narrativa que criou, de que o Brasil era um país de elite, onde os ricos espoliavam os pobres, que os trabalhadores eram subjugados, e que o partido viria para estabelecer um regime de justiça social. Esse discurso foi altamente beneficiado por uma complacência da imprensa a partir dos anos 1980. Quando o PT se realiza como poder, ele não se realiza em cima dessa narrativa, porque essa narrativa não daria ao Lula a Presidência. O que deu a Presidência ao Lula foi a capacidade de trazer o José Alencar, de colocar o (Antonio) Palocci, a Carta aos brasileiros.

E a narrativa do golpe não é boa?

Mas acho que ela não resiste à dinâmica do tempo. A narrativa do golpe é ótima, o golpe é sancionado por 367 deputados na Câmara, que eram de imensa maioria de apoio ao governo, foi sancionado por 55 senadores e pelo STF, cuja composição é escolhida a dedo pelo PT. Ouso dizer que, quando ela escolheu um dos ministros, ela chegou a dizer: “Temos de proteger nossos rapazes”. A imprensa, na grande maioria, também sanciona o que ocorreu, então, essa dinâmica de golpe vai funcionar para quem é da militância, essa narrativa vai funcionar para quem é militante. O PT voltou para o seu tamanho original, o tamanho da militância. Eu diria que menos que 20% do eleitorado.

Há alguma perspectiva de o Senado trazer Dilma de volta? É evidente que na política tudo é possível, mas eu acho muito difícil essa possibilidade. O mundo político tomou o poder, e não vai entregar de novo a quem não gosta do mundo político. Então, eu acredito que a possibilidade de Dilma voltar é remota, tem que acontecer algo extraordinário.

Os atuais protestos enfraquecem Temer?

Não. Os atuais panelaços não têm nada a ver com os panelaços que aconteceram antes. Você sente nas ruas uma intenção contra? Eu acho que não acontece.

Quais as chances de Lula em 2018?

O problema do Lula e da Dilma e de todo o ministério é responder processo na Justiça. O Lula está sendo acusado pelo procurador-geral da República de algo muito sério. O risco de ele ser condenado é muito grande. O risco de ele se tornar inelegível é muito alto. O mesmo aconteceria com alguns dos ministros, o Mercadante, o Jaques Wagner, Edinho (Silva) e até o próprio José Eduardo Cardozo, que estão acusados de ou envolvimento na Lava-Jato ou de obstrução de Justiça. A prioridade da vida do Lula hoje é outra, é se defender. O mesmo ocorre com a Dilma.

Essa oposição que não conseguiu derrubar o governo Dilma, que força terá neste novo governo? É algo paradoxal. O PSDB foi incompetente nas eleições. Mas, na reta final do impeachment, o PSDB da Câmara foi absolutamente essencial, aquela troika — Carlos Sampaio, Antonio Imbassahy e Bruno Araújo — foi fundamental no encaminhar da questão. Agora, a coisa mudou totalmente de figura. Qual o problema? Você administrar uma base grande demais, que tem um ano e meio de existência. Daqui a um ano e meio, abre o processo eleitoral. O PMDB poderá ter candidato, o PSDB poderá ter candidato. O PSD para onde vai? O PSB pode ter candidato. É uma base que está inflada de candidatos presidenciais hoje. Tem o Aécio (Neves), tem o Geraldo Alckmin, tem o (José) Serra.

E o PSDB, você acha que consegue se unir em torno de um nome, como você vê essa disputa tucana?

Isso é uma coisa incrível. Eles brigaram até o último minuto, principalmente, os caciques. Na Câmara, eles são muito mais unidos e mais institucionais, menos personalistas do que essa turma de cima. Não sei se vão definir. O Serra quer ser candidato a presidente. O Alckmin já disse a aliados que vai ser candidato.

Você acha que o Alckmin vai para o PSB?

Sim, claro. Lógico.

Antes de 2018, temos 2016. Como enxerga a eleição municipal?

Essa eleição será a primeira eleição sem o dinheiro de empresas, com o PT absolutamente destruído, uma crise fiscal gigantesca. Muitos prefeitos vão terminar inelegíveis.

Qualquer um pode ganhar…

Esse é o ponto: há uma ojeriza à política. Então, pode surgir de tudo.

Quais lideranças podem despontar?

Tem aí alguns, o próprio João Dória é um nome novo. O Andrea Matarazzo. Há coisas novas aí, só que a política, diferentemente de outras atividades, precisa do velho para se renovar.

E o deputado Jair Bolsonaro?

O Bolsonaro representa aí uma franja da sociedade brasileira.

Mas essa “franja” não pode crescer?

Não, só se houver um grande fracasso. Tem que haver um imenso fracasso, uma perda de controle, desordem, um governo absolutamente desorientado, que perca o controle da inflação, que tenha saques, passeatas diárias, arrastões pelas ruas. Uma crise grega para pior. Aí, o Bolsonaro pode se viabilizar. Mas o Bolsonaro não se viabilizará, porque não existe o pêndulo. O brasileiro é, por tradição, um centrista. E com uma tendência de centro-esquerda. Não é que seja contra a propriedade privada. Mas ele gosta do Estado, gosta do poder, mas, ao mesmo tempo, gosta do diálogo. Soluções autoritárias não colam.

Mas esta ultradireita, sem as doações empresariais, as igrejas, por exemplo, não largam na frente?

Qualquer setor que tenha uma base de votos organizada sairá com vantagem. Sindicatos, igrejas, celebridades, corporações. Isso faz parte, realmente. E isso é um desvirtuamento da política no Brasil por causa do abandono que a cidadania adotou em relação à política.

Mas o PT ainda tem base organizada…

Tem, mas é suficiente para ganhar uma eleição? Não. Será suficiente para eleger um candidato, um vereador, dois ou três, mas não é mais, porque o PT só chegou lá quando o não petista votou no PT. Isso é que a gente tem que entender. Eles perderam o monopólio sindical também. Hoje, a Força Sindical é grande, tem quatro ou cinco centrais, e até 2013 apoiava o governo Lula.

Alguns especialistas dizem que sem a doação empresarial, o dinheiro sujo do crime organizado financiará a política. É um risco sério. Principalmente nas eleições municipais, onde pode haver uma influência de milícias, de traficantes, de jogo do bicho, da ilegalidade que gravita dentro dos grandes agregados urbanos, por exemplo, de transporte clandestino. O sistema brasileiropolítico melhora a passos de tartaruga. A decisão de tirar o dinheiro de empresas foi radical, mas conveniente. A solução não é tirar o dinheiro de empresas, mas limitar o gasto.

Como assim?

Não é possível campanha que custe R$ 100 milhões, R$ 300 milhões. Também não é possível que alguém doe R$ 300 milhões para uma campanha. Então, a decisão radical foi considerar inconstitucional. Agora, é fundamental que o sistema tenha condição de conter o caixa dois. Vai ter gente que vai aparecer com campanhas paupérrimas, R$ 20 mil, e, na verdade, o cara gastou R$ 1 milhão. Acredito que a gente deveria até pensar em ter uma atitude policial eleitoral para conter esse risco.

Como se proteger?

Temos que implementar no Brasil no voto distrital misto. Porque ele traz o voto para a comunidade. Então, você sabe em quem está votando, porque o cara é da comunidade. Esse é fato número um, temos que ter o voto distrital. Ah, o Congresso não quer, porque rejeitou. O Congresso não quer agora, mas podemos fazer para daqui a duas eleições, oito anos. E por que o voto distrital misto? Porque o misto fortalece o partido. Você pode pegar as celebridades, os intelectuais, os sem-voto, mas com prestígio, para que eles façam a campanha em todo o estado, em favor dos seus candidatos distritais.

Temer não errou ao escolher pessoas de alguma forma vinculadas à Lava-Jato?

Sinceramente, acho que houve um erro quando escolheram o advogado Antonio Cláudio Mariz, mas voltaram atrás. Então, veja bem: tudo o que o país quer está fazendo efeito. É como se tivesse uma cerca elétrica. Isso mostra uma cidadania mais autêntica. E é importante dizer que a Operação Lava-Jato está causando uma revolução política no país. Não tenha dúvida disso. As investigações atingem um número inusitado de políticos. Não tenha a menor dúvida de que o impeachment da presidente Dilma foi também influenciado pelo ambiente causado pela Lava-Jato. Se ela não fosse impichada pelas pedaladas, provavelmente seria impichada ou condenada, e provavelmente será condenada, por obstrução de Justiça no Supremo, decorrente da própria Operação Lava-Jato. A Lava-Jato acabou com as doações empresariais na política brasileira. A Lava-Jato alterou as bases do capitalismo tupiniquim ao colocar em xeque o modelo de campeões e de preferidos nas obras públicas. Todas essas empresas da Lava-Jato que operam no exterior estarão investigadas. A Petrobras está sendo investigada no exterior. Todos os conselheiros da Petrobras estão sendo investigados pelo Departamento de Justiça Americano. Então, a Operação Lava-Jato tem uma amplitude extraordinária. E é rasteiro acreditar que ela possa ser controlada por qualquer governo. E o Temer sabe disso.

Qual foi o segredo das investigações?

O mensalão trouxe uma revelação que pouca gente percebeu. Revelou que o establishment político não poderia mais proteger seus cúmplices privados. O mensalão levou Marcos Valério para a cadeia, e ele está lá até hoje. Levou a presidente do Banco Rural, que agora está no semiaberto. Mas a penalização dos agentes privados foi absolutamente rigorosa frente à penalização dos agentes públicos. (José) Genoino, João Paulo (Cunha), José Dirceu e outros. Ali, ficou provado que o agente privado não gozava mais da proteção do Estado para ser cúmplice dos poderes públicos nos malfeitos. Essa constatação foi feita pelo Alberto Youssef quando ele foi preso na Lava-Jato e decidiu fazer a delação. Ele justificou a delação dizendo: “Se eles que estão no poder não podem me proteger, por que eu que irei protegê-los?” Quando ele faz isso, é como um dominó, que pode derrubar um dominó com uma área 50% maior que a dele. Então, se iniciou um processo que é interminável. E aí está o segredo da Lava-Jato: as revelações são tão grandes, tão escandalosas, que são impossíveis de serem contidas. Além disso, tem a atitude do juiz Sérgio Moro, de jornalistas. O Brasil jamais voltará a ser o que era antes da Lava-Jato.

E isso termina como? Pode a Mãos Limpas na Itália… É completamente diferente. Primeiro, o sistema político brasileiro tem uma alta capacidade de regeneração. Segundo, a própria sociedade não quer a inviabilização da política. Terceiro, não temos um Berlusconi como alternativa no Brasil. E quarto: o grave problema do país hoje é a economia. Então, quem resolver minimamente o problema econômico será politicamente forte. Se essa pessoa for envolvida na Lava-Jato, será levada a responder na Justiça, mas outra assumirá e seguirá a mesma orientação. “Ah, o Aécio pode estar envolvido?” Não há uma evidência contundente. Muitos políticos podem continuar, diferentemente do que aconteceu na Mãos Limpas, que atingiu todo o sistema político. Aqui, não. Atinge setores importantes do PMDB, atinge o PT dramaticamente, setores do PP, mas não inviabiliza o sistema político como um todo.

Mas há ministros investigados, no caso do Jucá, outros citados por delatores. E o Temer não consegue se livrar do Cunha…

A gente precisa entender o rito que envolve cada um deles. No caso do Cunha, há um problema que está dentro do Supremo e dentro da Câmara. Não se pode atropelar o processo. Se o Cunha dentro da Câmara tem condições de organizar uma defesa, ele tem condição. O STF, o que fez agora foi o máximo que ele poderia fazer. A solução Cunha terá que ser dada dentro da Câmara. Qualquer um que tentar diferente pode se dar mal. A Dilma foi uma que tentou fazer diferente. Peitou o Cunha com Arlindo Chinaglia, que foi uma decisão medíocre do Mercadante, e deu no que deu. Aliás, o Mercadante tem uma coleção de decisões medíocres. O problema Cunha é um problema da Câmara. Temer tem que ficar longe disso aí. Com relação aos demais, tem que ver o andamento das investigações. Político investigado no Brasil tem centenas, acho que o Congresso tem 80% dos seus integrantes de alguma maneira envolvidos em questões. O que eu acho: se os indícios chegam a um momento crítico ou há um indiciamento claro dentro do Supremo, o governo tem que amputar quem estiver lá nessa situação. Não pode ficar.

Qual a cara desse governo?

Esse governo é uma expressão do mundo político, que foi alijado do governo pela Dilma. Não era alijado na época do Lula. A Dilma destruiu o software político do Lula por imperícia, ignorância e incompetência. Esse governo é o resultado dessa destruição. É uma tentativa de o mundo político se organizar e buscar competitividade em 2018. De certa forma, é até generoso, porque sabem que estão hoje convivendo com o inimigo. Aécio sabe que o Serra pode ser candidato, o Alckmin pode ser candidato. O Kassab pode ser candidato ou lançar o Rogério Rosso candidato. O Cristovam pode ser candidato. Quer dizer, tem muitos pré-candidatos presidenciais dentro dessa base. Esse governo é uma expressão do alto clero da política, dos grandes detentores de blocos de poder e de voto dentro do Congresso. E que tem como Temer o maestro. Se ele marchar para o hiperpresidencialismo, não dará certo.

Qual é a expectativa do mercado externo?

O Brasil é um país que é visto como de excelentes oportunidades e de potencial. Esperam que o governo consiga duas coisas: restabelecer credibilidade fiscal e dar regras estáveis para o investimento estrangeiro, principalmente, nas obras de infraestrutura. São essas duas questões. Eles virão aqui felizes da vida para operar estradas, portos, ferrovias, rodovias. Esses setores estavam monopolizados pelas empresas locais. Claro que é importante manter as empresas locais, e um dos desafios do governo Temer será manter essas empresas viáveis. Elas não podem acabar, as empresas envolvidas na Lava-Jato. Mas o que deve ser feito é uma abertura com regras mais claras, as empresas virão.

Rodrigo Rollemberg tenta colocar em prática a ideia das eleições administrações regionais. Resolve?

Brasília é um lugar que poderia ter experiências inovadoras de administração porque é pequeno e tem muitos recursos. Realmente, o problema é de gestão porque Brasília é sustentada pelo Brasil. Deveria ser o espelho da excelência da administração pública, da gerência de altíssimo nível. Quando cheguei a Brasília, em 1981, em 1982, meu filho Thiago nasceu no hospital da L2 Sul, serviço público da melhor qualidade. A destruição da qualidade da saúde pública de Brasília eu senti em 1986, quando nasceu o meu segundo filho, num hospital privado. Brasília era para ser o exemplo da administração pública eficiente. Infelizmente, a capital foi capturada pelos interesses corporativistas do funcionalismo local e pelos interesses rasteiros de uma política provinciana e corrupta, que predominou durante muitos anos aqui. O governador Rollemeberg teria de se empenhar para resolver essas duas questões: ter uma administração pública eficiente e ter política transparente. Mas isso não é uma batalha de um governo só.

Isso tem a ver com o pacto federativo.

Temos que ter um novo pacto. O modelo de 1988 fracassou. Não temos divisão adequada de responsabilidades nem de tributos. A carga tributária subiu demais, de forma desorganizada. E penalizadora de atividades absolutamente essenciais, como as telecomunicações. Acho gravíssima a centralização do governo. É preciso ter um novo governo, que passe responsabilidades, mas passe arrecadação também. Hoje, o governo dá isenções tributárias que retiram recursos dos estados e prefeituras e distribui aleatoriamente programas de seu interesse político, via PAC, Minha Casa Minha Vida. Isso é a desinstitucionalização do poder. A educação, por exemplo, tem de ser fortalecida no nível municipal. O governo deve ter atribuições específicas: defesa, relações externas, distribuição na arrecadação dos impostos federais, as universidades federais. E fortalecer os estados e municípios.

Em quanto tempo chegaremos a isso? É um debate para 10 anos, porque a política brasileira, ao contrário da italiana, tem alta capacidade de regeneração.

Por que Brasília chegou a esta situação?

O que aconteceu em Brasília é o retrato do que aconteceu no Brasil. Aqui nunca teve crise fiscal. As pessoas dizem: “A corrupção foi inventada no governo Lula”. Não foi, ela sempre existiu. Só que antes, o Brasil vivia uma penúria fiscal. O orçamento do BNDES era minguado. Ele se multiplicou na era Lula. As obras, os investimentos em infraestrutura, as Olimpíadas, a Copa do Mundo, as oportunidades para o roubo aumentaram imensamente. Brasília nunca teve esse problema. Sempre teve muito dinheiro, e sempre teve cidadania de menos. Dinheiro demais, cidadania de menos. Esse é o caminho para o fracasso de um lugar. O que aconteceu: os grupos de interesse, variados, se apropriaram. É o caso das empresas estatais. Há um conluio entre a alta direção e os funcionários, que acertam regras privilegiadas. Como ninguém reclamou, Brasília virou isso.

Dois ex-senadores presos. Não é exemplo?

Brasília deu exemplo por acaso. O acaso é um diretor perverso da realidade. Do mesmo modo que o acaso propiciou a Lava-Jato, propiciou a Operação Caixa de Pandora, que devastou a política local. Estudo muito o acaso nos fatos políticos. Veja a Revolução de 1930. Se João Pessoa não tivesse entrado na confeitaria Glória, no Recife, será que teria acontecido a Revolução? Dez minutos antes, ele havia sido alertado, por amigo, de que deveria voltar para a Paraíba. O amigo disse: “Volte para a Paraíba porque eu sonhei que você seria assassinado”. João Pessoa disse: “Que besteira, eu tenho a minha segurança”. Dez minutos depois, estava morto. O acaso fez a Revolução de 30. Sem João Pessoa assassinado, haveria a Revolução de 30? Tenho minhas dúvidas.

Então, a Lava-Jato é filhote da Pandora.

Sim. Se Durval (Barbosa) não tivesse feito aquelas revelações, o desfecho seria outro. No mensalão, o escândalo nasce como? Nasce na gravação da propina nos Correios, e Roberto Jefferson decide falar. Jefferson teria dito que, se o Lula assegurasse, olho no olho, de que não tinha nada a ver com aquela história dos Correios, ele não levaria aquilo adiante. Foi então que Dirceu — que não deixou Jefferson falar com Lula — inaugurou aquela linhagem na Casa Civil que termina com Mercadante.

O senhor aceitaria algum cargo político?

Já tive vontade de concorrer. Desisti antes de concorrer. Vi que não seria eleito. Foi uma grande análise política que fiz.

Dizem que foi a melhor análise…

Claro. Porque diz respeito a mim. Ia para a convenção para ser candidato a deputado federal. Era um partido pequeno, o PST.

E no futuro, pensa em se candidatar?

Não descarto no futuro, mas é dever de todo brasileiro, ainda mais eu que sou apaixonado pela política, de contribuir com alguma coisa. Não me surpreenderia se no futuro fosse candidato ou ocupasse alguma posição no governo, mas, no momento, não.

Brasília é uma casa no campo “Nasci no Rio, mas sou filho de paraibanos. Sou casado. Tenho dois filhos do primeiro casamento e um sobrinho criado como filho. E agora mais dois filhos, da minha atual mulher. Cheguei a Brasília em 1981. Estava aqui nas eleições diretas para governador. Assisti, como assessor parlamentar, à campanha das Diretas Já. Acompanhei a eleição de Tancredo. Vi a posse do Sarney. Assisti à aprovação da emenda da Constituinte, ao impeachment do Collor, à reforma constitucional, que fracassou. Vi o Plano Real, a eleição de FHC. Tive o privilégio de acompanhar tudo. Resolvi, então, ser um vendedor de estratégia política. Fiz meu mestrado em ciência política, e depois o doutorado em sociologia. Fui professor da UnB, a convite do David Fleischer, e convidado na Universidade Austral, na Argentina. Meu grande momento como analista político começa com o impeachment do Collor. Já fazia análise política para meus clientes, mas o primeiro banco me contratou. Aí todo o sistema financeiro começou a contratar, para ter justamente o termômetro. E a gente tem um sucesso interessante nessa área. Tenho bons amigos na diplomacia, na política, na política local, nesta Brasília federal, na Brasília socialite. Aqui tem lugares incríveis. Gosto muito do Pontão. É a mais bem-sucedida democratização de um espaço público da cidade, paradoxalmente feita a partir de uma privatização. O lago é maravilhoso. Mas gosto mais de ficar na minha casa. Prefiro meus livros, meus discos e nada mais, esta coisa meio Zé Rodrigues. Brasília é uma casa no campo.”

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