Correio Braziliense | Política: O primeiro voto contra Dilma

Relator apresenta parecer a favor do impeachment da presidente por crime de responsabilidade. Discussão do texto será retomada amanhã

Marcella Fernandes

Julia Chaib

Durante quatro horas e meia, o deputado Jovair Arantes (PTB-GO) leu seu voto a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. O relator concluiu que a petista pode ser enquadrada no crime de responsabilidade por dois atos: a abertura de créditos suplementares por decreto presidencial e a contratação ilegal de operações de créditos, as chamadas “pedaladas fiscais”, ambos em 2015. Esses são os pontos centrais da denúncia elaborada pelos juristas Miguel Reale Júnior, Hélio Bicudo e Janaina Paschoal. Enquanto lia o parecer, do lado de fora da comissão, manifestantes contra e a favor do impeachment protestavam. Ao término da leitura, o clima de animosidade ficou aflorado dentro do colegiado, quando parlamentares entoaram o Hino Nacional. Os gritos se dividiram entre “acabou o PT” e “golpistas”.

Em seu voto de 128 páginas, Jovair reforçou diversas vezes que o processo não é restrito às tecnicalidades, como defende o governo e que há componentes políticos. “A natureza parcialmente política do impeachment impõe certa flexibilização dos rigores jurídico-formais próprios de um processo judicial ordinário”, escreveu. Ele ressaltou ainda que a chefe do Executivo deve ser responsabilizada por decisões de órgãos subordinados a ela. Ao longo do relatório, Jovair procura detalhar porque “as condutas” de Dilma contradizem a Constituição.

Sobre os decretos suplementares, no entendimento do relator, o contingenciamento menor do que o necessário, baseado na meta do projeto que alterava a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2015 antes da votação do texto pelo Congresso, violou a própria LOA. “Nesse sentido, nenhum dos decretos citados na denúncia poderia ter sido aberto, mesmo aqueles que ampliaram despesas com anulação de outras”, escreveu. Segundo o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, os decretos no valor de R$ 95,96 bilhões não feriram a meta fiscal.

Além disso, ao editar decretos sem a devida autorização do Congresso, Jovair entende que Dilma “usurpa” uma competência dos parlamentares, que devem se manter “como fiscais e guardiões do equilíbrio das contas do Estado”. “Quanto à conduta de expedir decretos que abriram créditos suplementares em descumprimento à Lei Orçamentária de 2015, considero que há sérios indícios de conduta pessoal dolosa da Presidente da República que atentam contra a Constituição Federal (…) o que, ao menos nesse juízo preliminar, revela gravidade suficiente e apta a autorizar a instauração do processo de impeachment”, diz.

Quanto às pedaladas, Jovair entende que Dilma pode ser afastada por atrasos do Tesouro Nacional ao Banco do Brasil, relativos à equalização de taxas de juros no Plano Safra em 2015 (leia quadro ao lado).

Calendário

A sessão foi encerrada após pedido de vista coletiva e será retomada às 14h de amanhã. No entendimento do presidente da comissão, deputado Rogério Rosso (PSD-DF), o parecer precisa ser votado até as 19h de segunda-feira, prazo em que terminam as cinco sessões plenárias previstas pelo regimento da Casa. Como cada um dos 65 titulares e dos 65 suplentes do colegiado podem falar por 15 minutos e líderes e não integrantes também podem se manifestar, há possibilidade de a sessão se estender durante o fim de semana, opção criticada pelos governistas. No fim da sessão de ontem, havia 118 inscritos, segundo a assessoria da comissão.

O debate do calendário dominou o fim da sessão. Governistas afirmaram que há risco de judicialização se entrar no fim de semana porque seria uma atuação atípica do Legislativo. “Não dá para abrir excepcionalidade regimental. Sessões no sábado e no domingo são uma jogada que não estamos concordando. Não tem necessidade disso. A excepcionalidade é arriscada”, disse a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). “Onde está na Constituição que o Congresso Nacional será penalizado por trabalhar?”, rebateu Rosso.

O líder do PSol, Ivan Valente, afirmou que o partido não quer votar no fim de semana para evitar a abertura de precedente para que o presidente da Casa, Eduardo Cunha, paute a votação em plenário no fim de semana seguinte. “Não queremos abrir brecha para esse delinquente Eduardo Cunha marcar para o outro domingo”, bradou.

Gafe e correção

No fim da leitura do parecer, uma gafe do relator provocou risos. “Nesse mesmo ano, o saudoso deputado Luís Eduardo Greenhalgh também apresentou denúncia por crime de responsabilidade…”, disse Jovair, que acabou interpelado por um “saudoso, não”. “Se não morreu, melhor pra nós. Que Deus lhe dê saúde, caso esteja vivo”, rebateu o relator. Em seguida, citou Chico Xavier: “São nesses momentos de crise, aliás, que temos a oportunidade de trilhar um novo caminho. Como diz Chico Xavier, ‘ninguém pode voltar atrás e fazer um novo começo. Mas qualquer um pode recomeçar e fazer um novo fim.”Deputados emendaram “esse sim, saudoso!”.

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Amanhã

» O presidente da comissão do impeachment, deputado Rogério Rosso (PSD-DF), abre sessão às 14h para iniciar as discussões do parecer de Jovair Arantes. Como não houve acordo de líderes para redução do tempo de fala, os debates podem entrar no fim de semana, uma vez que segunda é o prazo para votação.

Segunda-feira

» A intenção de Rosso é que, até as 17h, as discussões se encerrem para começar os procedimentos de votação. Dois deputados falam de cada lado e depois começa a orientação de bancada, com um minuto para cada partido. O objetivo é encerrar a deliberação até as 19h, horário máximo para encerrar sessão plenária.

Terça-feira

» Decisão da comissão é lida na sessão plenária seguinte à votação no colegiado.

Quarta-feira » Parecer da comissão é publicado no Diário Oficial da Câmara. Começa prazo de 48 horas para levar o processo ao plenário.

Sexta-feira, 15 de abril

» O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), leva a plenário a votação do pedido de impeachment. Como cada partido tem uma hora para falar (e são 25 com representação no Congresso), a previsão de Cunha é que a discussão demore três dias, podendo entrar no fim de semana. Em plenário, a votação é nominal e precisa de 342 votos para prosseguir com o afastamento de Dilma.

» Principais pontos

O que diz o relatório do deputado Jovair Arantes (PTB-GO) ao aceitar a admissibilidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff

Decretos suplementares

» Responsabiliza a presidente pela abertura de créditos suplementares por decreto presidencial, sem autorização do Congresso em 2015. Para Jovair, o contingenciamento menor do que o necessário, baseado na meta do projeto que alterava a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2015, antes da votação do texto pelo Congresso, violou a própria LOA. “Considero que há sérios indícios de conduta pessoal dolosa da Presidente da República que atentam contra a Constituição”, escreveu. O governo alega que os decretos não descumpriram a meta fiscal.

Pedaladas fiscais

» Responsabiliza Dilma pelas “pedaladas fiscais”, atraso de repasses do Tesouro Nacional ao Banco do Brasil, relativos a equalização de taxas de juros do Plano Safra, em 2015. O relator lembra que o Tribunal de Contas da União entendeu que as pedaladas de 2014 configuraram operações de crédito, ao contrário do que diz o governo, e que, em 2015, foi adotado o mesmo modus operandi de 2014. Jovair ressalta, contudo, que cabe ao Banco Central do Brasil e não à Presidência a responsabilização por supostas condutas relacionadas ao “mascaramento” do Orçamento e à assinatura da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual com informações sabidamente incorretas.

Lava-Jato

» Não considera eventos relativos à atuação de Dilma no Conselho de Administração da Petrobras entre 2003 e 2010, no escândalo revelado pela Operação Lava-Jato. Contudo, ressalta que os fatos podem ser incluídos pelo Senado e que “não podemos desconsiderar a perplexidade da população com as constantes revelações das investigações da Operação Lava-Jato sobre o maior esquema de corrupção de que se tem notícia neste país”. O mesmo vale para a delação de Delcídio do Amaral, ex-líder do governo no Senado (sem partido).

Eduardo Cunha

» Quanto à acusação da defesa, de que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cometeu desvio de finalidade porque teria aceitado o pedido por vingança, Jovair descarta tal entendimento. Ele nega também outros questionamentos da Advocacia-Geral da União (AGU), como a necessidade de intimação da presidente sobre as audiências de esclarecimento da denúncia na comissão.

Fatos anteriores a 2015

» Apesar de se centrar no ano passado, Jovair abre a possibilidade de inclusão de fatos anteriores, diferentemente do que defende o governo.”Em nosso entendimento, a interpretação mais fiel à vontade constitucional deve ser no sentido de possibilitar a responsabilização do Chefe do Poder Executivo por atos cometidos em qualquer um dos dois mandatos consecutivos, desde que ainda esteja no exercício das funções presidenciais”, escreveu.

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