Correio Braziliense: PEC que eleva salários tira o sono do governo

Proposta que vincula ganhos de diversas carreiras do serviço público aos vencimentos de ministros do STF entra na pauta da Câmara com encaminhamento favorável até de aliados do Planalto. Gasto adicional pode chegar a R$ 23 bilhões por ano

PAULO SILVA PINTO

A noite foi de apreensão, ontem, no Palácio do Planalto, com a inclusão, na pauta da Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 443/2009, um dos itens da pauta-bomba do Congresso que pode jogar por terra o que resta do ajuste fiscal do governo. A PEC tem o potencial de aumentar a despesa do governo federal com salários em R$ 8,1 bilhões anuais, e o de estados e municípios em R$ 15 bilhões. Isso teria um impacto maior do que o superavit primário esperado neste ano pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy após as medidas de ajuste fiscal: R$ 8,7 bilhões. Até as 0h30 de hoje, a proposta ainda não havia sido votada pelos deputados.

O texto vincula aos vencimentos de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) os salários de advogados da União, dos estados e dos municípios; de delegados da Polícia Federal e de polícias civis estaduais; e de outras carreiras do serviço público federal. No nível mais alto, os vencimentos vão chegar a R$ 30.471 — 90,25% dos R$ 33.763 que recebem os ministros da mais alta corte do país. O aumento imediato nos contracheques seria de pelo menos 53%. O vice-presidente Michel Temer (PMDB) reuniu-se ontem com o advogado-geral da União, Luiz Inácio Adams, e os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Aviação Civil, Eliseu Padilha, para traçar uma estratégia que permitisse contornar a aprovação da PEC. No fim do encontro, falou a jornalistas ao lado dos ministros cobrando dos deputados “compromisso” com as contas públicas.

Na avaliação do líder do PSD na Câmara, Rogério Rosso (DF), que participou de reunião com Barbosa e Adams, os coordenadores políticos do governo falharam. “Eles demoraram para começar a atuar. Se continuar assim, vão perder todas.” Enquanto Temer pedia compromisso, na Câmara se afirmava que o insucesso do ajuste fiscal não pode ser creditado aos parlamentares. “A crise econômica ocorre porque o governo não tem coordenação política, então só vai ser resolvida com o afastamento da presidenteda República”, afirmou Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), companheiro de partido de Temer. “O PMDB nunca foi ouvido pelo governo, então não pode ter responsabilidade pela crise”, acrescentou. Corroborando a avaliação de que falta coordenação ao governo, o líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC) encaminhou voto favorável à proposta.

Fraqueza

Para Lima, a aprovação da PEC seria uma derrota do Planalto. Mas o aumento dos servidores dificilmente se tornará realidade em breve. Esse tipo de matéria precisa ser aprovada em dois turnos em cada Casa do Congresso. A PEC nº 300/2008, que vincula os salários de todos os policiais militares ao que recebem seus colegas do DistritoFederal, foi aprovada na Câmara em primeiro turno em 2010. Até hoje, não houve votação em segundo turno. Assim como no caso da PEC nº 433, é algo com grande impacto para os estados. E, nesse caso, o que conta não é a base do governo no Congresso Nacional, é a dos governadores.

A oposição, porém, não perdeu a chance de mostrar a fraqueza do Planalto, porém. “Se o governo acha tão importante rejeitar essa PEC, por que não mandou o ministro-chefe da Casa Civil (Aloizio Mercadante) aqui para dizer isso? Poderia enviar pelo menos um técnico. Mas não veio ninguém”, criticou Heráclito Fortes (PSB-PI). Heráclito credita o desarranjo econômico aos governos petistas. “Eles receberam um país arrumado e gastaram sem parar. Agora, vem a conta. E eles não conseguem mais nem mesmo ter controle da base parlamentar. Nós, da oposição, não teríamos votos suficientes para aprovar uma PEC como essa.”

Advogados de várias carreiras do governo federal e delegados de polícia lotaram as galerias da Câmara e o Salão Verde. Kleber Cabral, presidente da Unafisco Nacional, associação que reúne auditores da Receita, temia que a categoria fosse excluída do aumento. “Ficarmos de fora é um drama muito grande. É como olhar a grama do vizinho e ver que está mais verde.” Segundo Cabral, a exclusão dos auditores da Receita vai provocar um “problema institucional”. “Os auditores vão entregar os cargos de confiança que ocupam”, disse. Ele discorda de que a aprovação do aumento salarial vá agravar a crise fiscal. “A Receita é parte da solução, não do problema, pois é responsável pela arrecadação. Com maior estímulo, os auditores vão arrecadar mais.”

Para as entidades que representam os juízes, porém, o aumento é injusto. “Com essa PEC, as carreiras relacionadas do Poder Executivo buscam a equiparação remuneratória com a magistratura e o Ministério Público, sem arcar com os ônus”, afirma nota conjunta da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e da Associação Nacional dos Magistrados Federais (Anamatra). Para as entidades, a equiparação contraria a separação entre os poderes estabelecida na Constituição na forma de cláusula pétrea.

Advogados

O impacto dos aumentos para os advogados da União seria de R$ 853 milhões por ano, considerando-se os 2.451 procuradores da Fazenda, 604 defensores públicos federais e 3.147 advogados da Advocacia Geral da União (AGU). O teto salarial dessas categorias é atualmente de R$ 19.913.

Auditores e analistas

A conta sobe R$ 4,4 bilhões com a extensão do aumento para os 31.033 auditores da Receita Federal e para os 6.689 auditores do trabalho. Os 5.976 fiscais agropecuários representariam gasto extra de R$ 1,2 bilhão por ano. E os 9.576 analistas do Banco Central (BC) custariam com os aumentos R$ 1,7 bilhão a mais.

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